José Manuel Simões

Insólita Viagem

José Manuel Simões

Nestes tempos, precisamos aprender a amar de novo

Música é união, comunhão, laços, emoção. Juntar mil músicos (!!!), cantores, guitarristas, baixistas, bateristas, de todas as idades, sexo, preferências sexuais e etnias, em locais de eleição em volta de canções emblemáticas que fazem parte da vida de muitos de nós, é algo de admirável.
A primeira destas canções que juntou mil músicos e que um amigo me deu a conhecer - daí se intitular “Rockin’1000” - foi gravada em Cesena e tinha como objetivo pedir aos Foo Fighters para irem atuar naquela região de Itália, “terra de paixão e criatividade”. Daí resultou “um milagre”, como o intitulou o sonhador desta ideia, Fabio Zaffagnini. A canção chama-se sintomaticamente “Learn to Fly” e pode ser ouvida e vista ao ponto de nos espantar. Não é certamente por acaso que o vídeo foi visto mundialmente por mais de 32 milhões de pessoas.

Depois desta, que ouvi vezes sem conta de seguida, encontrei outras canções memoráveis igualmente tocadas por mil músicos como “Bitter Sweet Symponhy” dos The Verve, Highway to Hell, dos ACDC, neste caso gravada no Estádio de França em Paris, e no mesmo local, em 2019, um tema conhecido de todos nós, “Smoke and Water”, dos Deep Purple. Regozijei particularmente ao ouvir os 1000 a interpretarem a minha banda rock francesa preferida de sempre, os Telephone, com “Un Autre Monde”!!!

De busca em busca, encontrei “I Was Made For Lovin’You”, dos Kiss, “Bohemian Rapsody”, dos Queen, “Another Brick In The Wall”, dos Pink Floyd - neste caso com 400 músicos e um coro de crianças - “Enter Sandman”, dos Metallica, com 500 músicos, “Where is My Mind”, dos Pixies, “21 Guns” dos Green Day tocada por 70 músicos no Strykovskiy Park, Samara, Rússia, “Should I Stay or Should I Go”, dos Clash ou, e neste particular por gostar muito da Holanda, dos holandeses e desta fabulosa canção do Neil Young, “Rockin in the free world”, gravada por 250 músicos no meio da cidade de Haarlem.

Sei que muitos vão considerar estas canções, aqui tocados e cantadas em simultâneo por centenas de pessoas no melhor da sua felicidade e emoção, muito barulhentas e nem sempre interpretadas em uníssono. Mas que importa isso?!... É rock, e por rock ser, deve ser tocado muito alto, muito vivo, com muito sangue quente, vida em nós.

Nestes tempos em que não é fácil viajar, procurei várias vezes sonhar acordado sem sair do quarto, usando principalmente a música como catalisador, componente essencial da minha interna combustão. E, neste particular, duas canções ajudaram-me a processar reações, a acalmar, a encontrar caminhos alternativos à viagem, reagindo com uma menor ativação de energia, quase sempre parado, exercitando novos sentimentos e formas de amor, como a gratidão, nomeadamente a Macau por me ter poupado ao vírus, e à vida que me concedeu o privilégio de entre milhões de espermatozoides me deixar nascer. É que, desculpem-me algum exagero, encaro o facto de ter nascido como sendo o maior milagre da minha existência. E sim, as duas canções foram, são, “Live Lounge Allstars - Times Like These”, BBC Radio 1 Stay Home Live Lounge, cantada e tocada a partir de casa por músicos que na sua maioria desconhecia mas que me continuam a deixar em mim esta sensação de que em tempos como estes em que vivemos, devemos aprender a amar de novo.

A outra é “Stop Crying Your Heart Out”, BBC Radio 2 Allstars, escrita e composta por Noel Gallagher, interpretada por inconfundíveis vozes como as de Bryan Adams, Cher, Lenny Kravitz, Kylie Minogue, Robbie Williams, entre muitos outros, unidos em solidariedade, comunhão de afins, laços de irmandade, emoção até às lágrimas, compaixão, amor pelo próximo.