António Grosso Correia

IN VERBIS

António Grosso Correia

AINDA A JUSTIÇA

Falar de justiça, hoje em dia, é falar de crise.
Sendo a justiça um produto do homem, ela não poderia deixar de ser afectada pela grave crise de valores em que ele vive – esta, no meu humilde juízo, a mãe de todas as crises.

A crise da justiça é, com efeito, real. Os que a ela recorrem ou com ela lidam facilmente o concluem. Ela revela-se, desde logo, nos longos e inaceitáveis atrasos processuais, com as por vezes consequentes ineficácia e noutras a inutilidade das respectivas decisões. E a descrença daí resultante – como se ela não bastasse – ainda é agravada pelo conhecimento, pela sociedade em geral, de casos escandalosos como os do BPN, BPP, Portucale, submarinos, Freeport, BES, Sócrates, Vara, Face Oculta, Salgado, só para citar alguns, e os ligados ao mundo do futebol.

Como é sabido, nestes casos, com excepção do BES, símbolo do poder económico, com influência determinante em todos os outros poderes, os arguidos são, ou foram, altas figuras ligadas a partidos políticos, algumas com funções de Estado, ou seus protegidos, e ao lamaçal em que se tornou o futebol.

Ora, o cidadão não pode nunca deixar de ver na justiça o primeiro e o último reduto de defesa dos seus legítimos interesses. Muito pouco ou nada perturba mais a sociedade do que o sentimento de injustiça, para ela sinónimo de um Estado fraco ou quase ausência de Estado, o que é perigoso.

Dou de seguida nota do que julgo serem alguns dos principais e mais preocupantes motivos desta inquietante realidade, que tem vindo inexoravelmente minando o estado de direito:

a) o baixo nível ético e de idoneidade de grande parte da classe política influente, a quem alguém já apelidou de esterco social;
b) a paulatina tentativa de colonização da justiça pela política, com vista a um tendencial domínio do poder político sobre o judicial, de extrema perigosidade e de consequências imprevisíveis;
c) nuns casos, a presumível ausência de coragem de alguns magistrados do Ministério Público e judiciais, para repudiarem a intromissão política, ou a mera tentativa; noutros a falta de meios, materiais e humanos, para levarem a cabo as suas tarefas em tempo útil; noutros casos, finalmente, a sua falta de preparação técnica e empírica.

Relacionada com esta impreparação está, como não me canso de referir, a juventude, mais preocupante de alguns juízes, com muito pouca experiência da vida e dos fenómenos sociais, experiência que é um atributo tão importante, ou mais, como o saber jurídico.

Na verdade, para a produção de decisões justas, o saber jurídico – e muitos dos jovens juízes e magistrados do Ministério Público têm-no – pode prescindir menos do saber empírico do que este daquele.
Não faltarão casos de decisões justas tomadas pela equidade.
Ora, como se sabe, a justiça é um valor de que a humanidade não pode prescindir. O direito é tão só um dos meios para a alcançar. Esse valor é tão precioso que, sem ele, quase tudo pode falhar, até a saúde – bem fundamental da vida.

Por isso, os políticos deviam de dispensar mais atenção e cuidado à justiça. Não o fazendo, como não o têm feito, legitimam os cidadãos a concluir que nisso não estão interessados – o melhor ingrediente para o aparecimento de outras formas de Estado, naturalmente ditatoriais, como a história nos tem mostrado e, de resto, já vão surgindo na Europa. E sinais de que o surgimento destes fenómenos pode não ficar por aqui são as “ameaças” que estão manifestar-se no mesmo espaço geográfico.

Mas, a qualidade de uma decisão judicial não se mede apenas “à partida”; mede-se também “à chegada”. Isto é, para ser eficaz, ela não depende apenas da qualidade técnica do seu prolator; depende também da aptidão moral do seu destinatário, para a entender, e da compreensão e aceitação pela sociedade, beneficiária última da (boa) justiça.
Não se pense, porém, que pretendo “absolver” os advogados (ou alguns deles) da sua quota-parte de responsabilidade, nesta crise da justiça. Afinal, eles também são membros desta sociedade em decadência!

Na verdade, por vezes, alguns deles, deixam-se tomar pelo poder político, com ele cooperando, no sentido do benefício exclusivo de clientelas políticas; Outras vezes, fazem o caminho inverso, ou seja, influenciam o referido poder, com vista a alcançarem benefícios para os seus clientes, economicamente poderosos, como é óbvio. Em qualquer destes trajectos o objectivo – vezes demais concretizado – é a produção legislativa, que, inevitavelmente, condiciona os tribunais na administração da melhor justiça.

Ora, a função primeira do advogado é, como tantas vezes afirmada e outras tantas cumprida, assumir-se, de corpo inteiro, como a consciência crítica do poder, como defensor intransigente dos legítimos, repito, legítimos interesses dos seus clientes, mas também da democracia e do estado de direito, que não pode existir apenas pela via legislativa; tem de ser afirmado e positivado na prática.

Concluindo, impõe-se, pois, a todos – políticos, principalmente, mas também advogados e magistrados judiciais e do Ministério Público – reconhecer, com humildade, o contributo que têm dado para que a justiça tenha caído no estado em que se encontra e fazer o que necessário for para o inverter.


DESABAFO

Cada vez mais se fala de corrupção e de compadrio, no nosso País.
O corrupto perdeu a vergonha e o respeito, até por si próprio!
Como se sabe, tais actos são sempre inadmissíveis e gravemente lesivos, quer da dignidade que os órgãos onde eles ocorrem não podem deixar de ter – para merecerem os necessários e indispensáveis respeito e confiança dos administrados, isto é, de todos os cidadãos – quer pelo prejuízo que deles decorre para a economia nacional, quer pelas injustiças e desequilíbrios sociais que provocam, quer pela vergonhosa imagem que veiculam do País e de todos nós.
Ora, conquanto tais actos sejam intoleráveis e ilícitos – a corrupção constitui crime e o compadrio, ainda que, em princípio, o não constitua (sê-lo-á se integrar ou em associação com uma conduta de funcionário conducente à obtenção de uma vantagem, patrimonial ou não patrimonial, que não seja devida) não deixa, por isso, de ser socialmente censurável – a verdade é que, embora muitas vezes se saiba que aqueles actos existem e quem são os seus agentes, na maioria dos casos é muito difícil provar a sua existência.
Aqui está, com efeito, o primeiro grande escudo dos corruptos; outro é o indecente abrigo que os partidos políticos (como diz o povo, quem não quer ser lobo não lhe vista a pele) vão concedendo, quando o corrupto é um dos seus membros. Que importa que seja corrupto, se ganha eleições e até dá “algum” para o partido? Eis a ignóbil cultura instalada. Depois, apelam freneticamente ao Zé povinho para que vote (pudera!); finalmente, o outro escudo é a inaceitável falta de meios, materiais e humanos, com que o poder judicial se defronta.
E se tais criminosos forem titulares, eleitos, de órgãos de soberania – em que o crime é muitíssimo mais censurável e grave – cabe aos cidadãos eleitores penalizá-los nas urnas, atenta também, mas não só, aquela dificuldade de prova, enquanto tais delinquentes não caírem nas malhas da justiça, o que, apesar da referida escassez de meios, bem pode acontecer mais cedo do que estão a admitir, pelo à-vontade com que se mexem nas catedrais daquele lamaçal e da prática de certos comportamentos, como as grandes e chorudas, quanto ilícitas, negociatas, ainda que, por razões óbvias, por interposta pessoa.
Tal penalização, mais do que um direito dos cidadãos, é um dever que se lhes impõe, a todos.
Por isso, por bem e para bem de todos, devemos aproveitar todos os actos eleitorais para mostrarmos que, ao contrário do que por aí já se vai ouvindo, o povo não está, afinal, tão amorfo e resignado com esta chaga nacional.
Não votar nos corruptos é, pois e antes do mais, um acto patriótico. E um dever ético. Como bem se depreende, não deixo de temer, como modesto oficial do direito e amante da justiça, mas sobretudo como cidadão, que os meus compatriotas não valorem bem a gravidade de tais crimes e comportamentos, bem como os seus nocivos efeitos, dos quais acima cito alguns. É que se assim for, a perda e os prejuízos são de toda a Nação; não apenas de alguns dos seus membros. E serão seguramente irreparáveis.
Atente-se no que se passa na América latina, com destaque para o Brasil, onde o dinheiro tudo compra, numa perfeita e completa subalternização do próprio homem, por isso que aí se encontrando apenas e inevitavelmente duas classes sociais: de um lado, a da mais deprimente e desumana miséria, que abrange a grande maioria da população; do outro, a abastança opulente e ultrajante de uma minoria corrupta, arrogante e desavergonhada. Daí a injustiça. Daí a grande criminalidade.
Estou certo de que nenhum de nós desejará isto para o nosso País, mais que não seja pelos nossos filhos...

António Grosso Correia (Desrespeitador compulsivo do acordo ortográfico)


RAZÃO DE SER DE UM ÓRGÃO JURISDICIONAL INTERNACIONAL PERMANENTE

Como é sabido, nos conflitos armados, sejam os de génese regular, sejam os perpetrados por bandos organizados, não raras vezes cometem-se crimes gravíssimos. Tais conflitos não afectam apenas os países conflituantes e em particular as suas populações, mormente as vítimas de tais crimes e os seus familiares. Isso acontecia há muitos séculos atrás; afectam, também e por outro lado, toda a comunidade internacional, seja pela instabilidade que provocam em vários domínios, seja pelos prejuízos económicos que causam, mas seja também pela insegurança que gerem nos povos.

Esta realidade vem, desde há muito, clamando pela existência de um órgão ou instância supranacional de natureza jurisdicional, que sancione os autores desses crimes e possa, de algum modo, produzir efeito dissuasor da prática dos mesmos.

Ora, esse órgão já existe desde 17 de Julho de 1998, data em que foi aprovado o seu estatuto, pelo Tratado de Roma, denomina-se Tribunal Penal Internacional (TPI) e tem sede em Haia.

Como tratado internacional que é, só vincula os cidadãos dos países que o ratifiquem, o que Portugal fez, tendo-o a Assembleia da República aprovado em 20 de Dezembro de 2001 e o Presidente da República procedido àquela ratificação em 7 de Janeiro do ano seguinte.

Desde então, Portugal ficou em condições de aderir ao mencionado Estatuto. E, com efeito, tal adesão ocorreu formalmente em Fevereiro de 2002, com o depósito do instrumento daquela ratificação, junto do Secretário-Geral das Nações Unidas, passando, assim, Portugal a ser o 51º. país a aderir ao referido estatuto, isto é, ao Tribunal Penal Internacional.

A partir daqui, e desde que, em 1 de Julho de 2002, o mencionado estatuto entrou em vigor – o que aconteceu formalmente no primeiro dia do mês seguinte ao termo do período de 60 dias, contado da data do depósito do 60º. Instrumento de ratificação – Portugal passou a exercer “o poder de jurisdição sobre pessoas encontradas em território nacional, indiciadas pelos crimes previstos no nº. 1 do artº. 5º. do Estatuto ... com observância da sua tradição penal, de acordo com as regras constitucionais e demais legislação penal interna”, como dispõe o artº. 2º., nº. 1, do Decreto do Presidente da República nº. 2/2002, de 18 de Janeiro, decreto este em que é publicado o acto administrativo da aludida ratificação.

Aqueles crimes são os “crimes mais graves que afectam a comunidade internacional no seu conjunto”, tais como os “crimes de genocídio”, os “crimes contra a Humanidade”, os “crimes de guerra” e, verificados determinados pressupostos, previstos no nº. 2 do mencionado artº. 5º., os “crimes de agressão”.

Já se imagina quanto ganharia a Humanidade, com o funcionamento de um órgão judicial permanente, com a jurisdição e a competência do TPI, desde que em tal funcionamento estivessem assegurados os princípios da imparcialidade dos juízes, da legalidade e da garantia de defesa dos arguidos, requisitos imprescindíveis, digo eu agora, para conferir ao órgão a dignidade, o prestígio e o respeito, que ele necessariamente não pode deixar de ter, para não passar de mais uma instituição de fachada e fútil.

Porém, países há que sempre se opuseram à existência de um tribunal com as características do TPI, à cabeça dos quais se encontram os Estados Unidos, a China e Israel (pudera!).

É claro, o que estes países, no fundo, receiam é, tão só, a justiça: o que eles não querem, já se vê, é que os seus cidadãos criminosos sejam julgados, sobretudo os que ocupam cargos ao mais alto nível. Mas já querem, designadamente os Estados Unidos, tribunais criados “ad hoc”, exclusivamente para julgar as pessoas de que eles não gostam (como aconteceu, por exemplo, com Milosevic), o que não significa que essas pessoas tenham praticado os  crimes previstos no Estatuto do TPI. Sê-lo-ão se e quando os Estados Unidos quiserem que sejam.

Ora, o que a Humanidade carece é de uma ordem jurídica internacional, assente em princípios morais, que lhe confiram a indispensável legitimidade, e de órgãos imparciais e permanentes, que a ponham em prática, a façam respeitar e cumprir e puna os seus violadores – como poderá ser o TPI.

Virá ela alguma vez a existir?

 

(Escrevo em desrespeito compulsivo do acordo ortográfico)


QUE SOLUÇÃO PARA O PROBLEMA ISRAELO-ÁRABE?

A paz entre Israel e a Palestina parece cada vez mais uma miragem, como demonstram os últimos acontecimentos em Jerusalém, com dezenas de mortos. E, contudo, os povos desses países parece estarem ávidos de paz!

Com efeito, já no longínquo Novembro de 2001, o jornal israelita Maariev publicou uma sondagem que mostrava que 53% dos israelitas pretendiam uma solução pacífica para o conflito que os tem oposto aos árabes e particularmente aos palestinianos (Vd. La Clé Palestinienne de Dominique Vidal, in Manière de Voir, nº. 60, Novembre-Décembre de 2001). Os povos, como as pessoas, cansam-se, além do mais, quando as soluções para os seus problemas tardam em surgir! E o conflito israelo-árabe dura desde há mais de um século, embora se tenha agravado desde 2 ou 3 anos antes da independência de Israel, declarada unilateralmente em Maio de 1948!

Sabe-se que o enfado – mas também o progressivo esclarecimento das populações – derivado desta longa e trágica guerra tem vindo a aumentar ano após ano. E o desejo de uma solução que traga a paz definitiva tem também vindo a crescer, quer de uma parte, quer da outra. Porém, a concretização desse desejo tem sido impedida pelos extremistas de ambos os lados: a extrema direita israelita – com os seus falcões à cabeça, como Benjamin Netanyahu, eleito primeiro-ministro após o assassinato, por outro extremista, do sensato e moderado Yitzak Rabin – e o Hammas palestiniano, actualmente no poder.

Sem se pretender – longe disso – expiar ou apagar da memória os bárbaros actos de terror praticados pelos palestinianos contra israelitas, não podemos deixar de considerar que o maior terror e as mais cruéis agressões têm sido perpetrados por estes contra aqueles: os massacres em massa (em Haifa – antes da anexação por Israel –, em Deir Yiassine, em Mont Scopus, em Guch, em Etzion, em Ad-Dawwyima, em Sasa, em Safsaf, em Majd al-karum e em Jisf), os assassinatos selectivos, as ocupações militares de territórios (designadamente em Gaza – as suas melhores terras – nos Montes Golã e na Cisjordânia), acompanhadas de massacres e de expulsões das populações e da destruição das suas aldeias (como Bir’am, Ikrit e Gabsiyeh), a destruição, indiscriminada, umas vezes, e selectiva, outras, de edifícios, públicos e privados, as humilhações...

Um dos maiores massacres praticados pelos israelitas ocorreu em 1948, logo após a independência, no seu próprio território, contra os árabes aí residentes. Crê-se que nesta hedionda acção foram impiedosa e cruelmente assassinados entre 8.000 e 9.000 palestinianos, todos civis. Este bárbaro acto teve como objectivo aterrorizar os palestinianos (o próprio David Ben Gurion o admitiu), de modo a que fugissem das suas terras – para os israelitas as ocuparem, está claro.

As atrocidades dos israelitas sobre os palestinianos têm sido tantas e tais que o próprio Ehud Barak, quando foi eleito primeiro-ministro do Governo de Israel, em Maio de 1999, terá afirmado: “Se eu fosse palestiniano também optaria pela violência”! Vd. Alain Gresh in “Israel-Palestine. Vérité sur un Conflit”, Fayard, Paris, 2001.

Mas, como se sabe, não têm sido só os palestinianos que têm vindo a ser agredidos e invadidos. Têm-no sido também o Egipto, a Síria e o Líbano. Quem já se esqueceu da “Guerra dos Seis Dias” e da invasão deste último país, em 1982, em que foram mortos 12.000 civis? E quando e quem se esquecerá da posterior invasão do Líbano e do rol de atrocidades e de crimes de guerra praticados por Israel, de resto, disto mesmo acusado pela Amnistia Internacional, que concluiu que a estratégia do invasor “tinha objectivos militares e civis”? Na verdade, também nesta invasão, Israel, para além de infra-estruturas e alvos militares, destruiu estradas, pontes, reservatórios e condutas de petróleo (com os dificilmente reparáveis danos ambientais) e bombardeou e destruiu hospitais, creches, escolas, inúmeros edifícios de habitação, igrejas e mesquitas, no que se calcula terem sido mortos entre 2.600 e 3.500 civis, tendo deixado o sul do Líbano praticamente em ruínas, como as televisões mostraram. E até assassinou elementos das Nações Unidas e atacou alvos da Cruz Vermelha Internacional.

E os árabes, particularmente os palestinianos, os mais brutalmente agredidos, reprimidos e espoliados, como se têm caracterizado as suas (re)acções contra o poderoso Israel, super armado e apoiado pelos americanos? Têm-se armado até aos dentes, como o tem feito Israel, desde a sua independência? Não consta, até pelo bloqueio à venda de armamento que têm sofrido e às divisões entre estes, provocadas pelos Estados Unidos (mais uma vez e sempre).

Ora, sem armamento e sem união que possam fazer frente ao inimigo de todos os dias, ocupante e destruidor, a quem pode espantar que se tenham tornado em “especialistas” atiradores de pedras (Intifada) e “homens-bomba”?

A verdade é que Israel, super armado e incentivado pelos Estados Unidos, tem feito muito bem o que tem querido!...

Trata-se, quem duvida?, de uma política, sem moral, toda ela dominada por estratégias e interesses unicamente económicos – o petróleo e o chorudo negócio do armamento – para engorda de alguns, mas que só pode conduzir ao sofrimento, à ruína e à morte de muitos milhões, bem como à guerra, à destruição e á catástrofe.

É, pois, necessário que a Humanidade desperte para flagelos como este…É preciso dar mais valor à verdade que ao embuste. A paz é um bem inestimável, todos sabemos. Mas não pode haver paz enquanto se continuar a perverter a verdade e a praticar a injustiça.

Por isso, satisfaz-nos imenso que, cada vez mais, se despertem consciências em países, cujos governantes parece que não sabem ou não podem exercer as suas altas funções senão promovendo a guerra, como em Israel, onde progressivamente vozes importantes e insuspeitas têm vindo a levantar-se contra ela. 

São os casos do General Amon Shahak, antigo Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, que foi um dos signatários dos Acordos de Genebra e se distinguiu na defesa do seu país, quando defendeu que “sair dos territórios ocupados é um dever sionista”, e do General Uri Avnery, que chegou a integrar o Yrgun, organização terrorista judaica que combateu a presença colonial britânica na Palestina (que englobava o território que foi cedido pelas Nações Unidas para criação do Estado de Israel).

Estas destacadas personalidades, entre muitas outras, de “peso” na sociedade israelita, como os acima referidos Ehud Barak e Yitzhak Rabin, os Coronéis Benny Michalson, Eppi Meltzer e Abraham Zohar, e ainda os universitários Tom Segev, Avi Schlaim Benny Morris e Simha Flapan, reclamaram uma mudança radical da política de Israel, com vista a uma paz duradoura com os seus vizinhos árabes.

Verdadeiramente, não pode ser outro o caminho para a paz naquela região do globo.


A JUSTIÇA

Escrevo Justiça com letra maiúscula para realçar a sua importância, porquanto considero-a um bem fundamental e imprescindível na vida das pessoas e das sociedades.

Considero ainda que o conceito de Justiça, em maior ou menor grau, é comum a todos os humanos e não depende das suas literacias ou cultura.

Na verdade, a Justiça – como a sua ausência – é, antes de tudo, um sentimento que surge espontaneamente e quase sempre sem esforço intelectual.

O prevaricador, consciente da ilegalidade do seu acto, embora lhe custe “pagar” pela prática do mesmo, não deixa, no fundo, (em regra em silêncio) de entender que, se violação houve, penalização teria também de haver. Ninguém, a não ser os anarcas, conceberá uma sociedade desregrada, penso.

Porém, um problema surge, e não só em termos processuais, quando é necessário fazer Justiça. É, com efeito, aqui que nasce e vive porventura o maior problema na administração da justiça. E que problema!  

Há várias causas para que a Justiça falhe ou, como outros preferem, para que ela não se faça. Destaco apenas as que me parece serem as principais:

- A inexperiência do julgador jovem (que vem acontecendo desde há mais de 3 décadas). Inexperiência da vida. Daí, no meu humilde juízo, ser muito mau para a Justiça “pôr-se” a administrá-la jovens magistrados, sem os necessários apoio e acompanhamento de outros mais velhos e experientes, muitos daqueles com idades inferiores a 30 anos, cuja visão de Justiça é, como não podia deixar de ser, pouco mais do que teórica, pois emana quase exclusivamente da escola institucional. Falta-lhes, NATURALMENTE, dois elementos essenciais – a sabedoria e a prudência, estas que se adquirem na escola da vida. E a vida, diz-se, é uma longa aprendizagem, que nunca termina.

Como já tantas vezes tenho opinado, inclusive nesta revista, para julgar, não basta saber-se interpretar o direito. O que importa é que se saiba também, e antes de tudo, interpretar os factos. Depois é só subsumi-los à lei, tarefa em que aqueles elementos não podem faltar. Portanto, primeiro, os factos; depois, a lei.

Uma coisa é ter a concepção de justiça; outra, muito difícil, é ministrá-la;

- A elaboração, pelo tribunal, de um juízo falso porque falsos foram os elementos de que partiu. Isto acontece, por exemplo, quando as partes, ou alguma delas, não souberam ou não quiseram levar ao processo factos ou outros elementos verdadeiros ou aptos a produzir uma decisão justa;

- O tribunal foi enganado pelo réu ou arguido. Experimentado e inteligente, soube, com mestria e eficácia, arquitectar um embuste, assim logrando ludibriar o tribunal (e quantas vezes também o seu próprio advogado!);

- O tribunal foi enganado pelos peritos. Os peritos efectuaram mal a peritagem, por incompetência, por erro na interpretação dos quesitos ou por mal formulação destes;

- O tribunal foi enganado por outros elementos de prova (testemunhas ou documentos). Estes elementos de prova são fundamentais na administração da Justiça e são eles, designadamente as testemunhas, que muitas vezes impedem que ela se faça.

Em suma: duas são, a meu ver, as principais causas de não se fazer Justiça – a inexperiência do julgador e os erros judiciários, estes resultantes das causas que acabei de enunciar.

Mas não desanimemos que, por vezes, faz-se Justiça.

“Ex abundantia cordis loquitur”, ou seja, falamos sempre daquilo que nos sobressalta o coração.

A todos boa saúde.

António Grosso Correia
(Reincidente na desobediência ao acordo ortográfico)


PARA ONDE CAMINHAREMOS?

(No regime democrático) tempo houve em que a governação de direita se distinguia da de esquerda. Isto é, em que os valores por uma e outra defendidos ali se esbatiam e se espelhavam. Nesta época de liberalismo, a que alguns já vão chamando de pós-democrático, tal distinção é praticamente inexistente. É por isto que os cidadãos – fartos de promessas incumpridas e frustrados por constatarem que “mudam as moscas, mas o esterco mantém-se” – estão cada vez mais descrentes do sistema e cada vez mais se alheiam da participação cívica, como nos actos eleitorais ou no debate político, este praticamente inexistente, até mesmo no seio dos partidos, onde se reduziu à luta por lugares e pela distribuição de “tachos”.

O homem tornou-se ávido de poder, sendo que, hoje em dia, poder político é, para alguns, sinónimo de algum poder económico. E no exercício da política poucos são os que trabalham “por amor à camisola”, isto é, para defesa das suas convicções políticas ou ideológicas que seria suposto considerarem as que melhor servem a comunidade. Com raríssimas excepções, os discursos são tematicamente ocos e repetitivos, cada vez mais patenteando despudorada arrogância e uma clamorosa falta de cultura e de formações moral e cívica.

Exemplos destes chegam-nos, por vezes, donde ainda não se esperava: quem já se esqueceu do debate televisivo entre Manuel Maria Carrilho e Carmona Rodrigues – dois professores universitários – aquando de ainda recente campanha eleitoral para as autarquias?

A qualidade deu lugar à mediania, umas vezes, à mediocridade, outras.  

Estamos, pois, a viver uma grave crise, que radica precisamente na ausência de valores — nunca é demais afirmá-lo, embora já se trate de um lugar comum. O que mais guia o homem de hoje, na sua acção, é o interesse exclusivamente material, sob uma perspectiva cada vez mais egoística, absolutamente convicto de que o seu bem-estar económico (pessoal) é o bem supremo, é o máximo que pode atingir na vida! A falta de bem-estar dos que o rodeiam, a moral e o estado do desenvolvimento do seu país ou região pouco ou nada o incomoda! Valores como a honra, a solidariedade, a justiça, a paz, são para ele apanágio de tolos ou questões ultrapassadas ou secundárias, apenas para delas se falar, sempre que, está claro, daí lhe possa advir algum proveito, em termos de estatuto social ou económico!

Como consequência lógica de tudo isto, aí temos as diversas crises (económica, da justiça, da saúde, do ensino, etc.), que convergem na porventura pior crise de todas – a crise do próprio Estado, de que é reflexo o progressivo desprestígio das instituições, a que não escapa a própria Assembleia da República, símbolo por excelência do regime democrático. 

Não me parece, por isso, ousado afirmar que o actual estilo de exercício da política afecta o próprio sistema político. Já não apenas a governação, mesmo ao mais alto nível. O que é péssimo.

Já não nos bastavam os efeitos perniciosos que, a outro nível, a voraz globalização neo-liberal está a produzir no funcionamento das democracias, no que, evidentemente, se inclui a nossa…

Para onde caminharemos?


O PROBLEMA, MEUS SENHORES, ESTÁ NA ESCOLA

Quando as nossas omnipresentes preocupações mais imediatas, inerentes aos afazeres quotidianos, nos permitem disponibilizar algum tempo para observarmos o que por aí vai “no burgo”, não creio ser difícil aos mais atentos concluir que, em muitos domínios, vivemos num mundo sem regras de conduta e que as outras – as das leis – quase só se aplicam a alguns. A esta percepção mais facilmente chegarão aqueles que, como o escrevinhador destas linhas, contam já mais de meio século de vida – tal a evolução negativa que aquelas regras têm vindo a sofrer ao longo dos tempos.

Com efeito, factos não faltam aptos a conduzirem rapidamente à mencionada  conclusão, dos quais me permito destacar apenas alguns, pela sua dimensão:

1. – O crescente número de casos de corrupção e o à-vontade e a frequência com que são cometidos. E quando ela é praticada por responsáveis políticos, as suas gravidade e censurabilidade não estão apenas na sua prática, mas também no exemplo e no “ensinamento” que transmitem – se a quem incumbe, em especial, o dever de prevenir e de reprimir a prática de actos criminosos os comete, por que razão não hão-de praticá-los também os que não têm tamanho dever? – pensarão, com certa lógica, alguns. De resto, a alusão a este extraordinário “direito” já se vai ouvindo com alguma regularidade. Ninguém duvidará do perigo que esta espécie de sentido de “justiça” social, que se corre o risco de ver implantada, acarreta, ademais atenta a conhecida inoperância dos tribunais, decorrente, na minha humilde opinião, do aumento exponencial e progressivo da conflitualidade, de leis mal elaboradas e desadaptadas à realidade e, por último, da impreparação, dada a sua juventude, de grande parte dos juízes, como julgadores, não como juristas teóricos (que, aqui, na sua larga maioria, estão bem apetrechados). Na verdade, para julgar, não basta conhecer o direito e, em regra, os nossos juízes conhecem-no bem; para julgar e fazer justiça é, além disso, necessário ter muita experiência da vida, que um jovem de trinta anos, ou pouco mais, não pode, naturalmente, ter.

Mas, em todo o caso, ninguém espere que os tribunais alguma vez possam suprir as lacunas da escola – a da família e a institucional – isto é, possam dar ao cidadão o que a escola não lhe deu; dizendo de outro modo, ninguém espere que uma sentença, por muito justa que seja, tenha o condão de evitar que o condenado volte a ter o comportamento que o levou à condenação, se ele o teve precisamente porque, na altura e na sede próprias, não lhe ministraram a formação moral que o impediria de assim ter procedido.

Cuido eu que é na ausência de valores, estes cuja fonte é aquela formação, que reside a causa determinante do que relato neste texto, valores que tipificam a chamada boa educação, como o respeito pelas regras estabelecidas, a honra, a honestidade e o sentido de responsabilidade.

Voltando à corrupção dos políticos, com ela não é só o regime que sai desacreditado; é toda a nação que fica ofendida, descrente na democracia e atraiçoada pelos políticos (aqui também os justos “pagam” pelos pecadores), de quem se esperava, exigia e exige bons exemplos e práticas consentâneas com a dignidade dos cargos para que foram mandatados.

Por isso, ninguém, de bom senso, entenderá que políticos judicialmente condenados (embora com as condenações suspensas por via de recurso)  – mas também os unicamente acusados – possam continuar a exercer os  cargos ou a outros candidatar-se, como tantas vezes tem acontecido! Esta indecência dá do nosso país uma imagem terceiro-mundista, desprestigiando-o perante a comunidade internacional;

2. – A impunidade dos poderosos. É esta a convicção que, certa ou casualmente errada, vai, cada vez mais, atormentando o cidadão. E ainda que, em muitos casos, tal convicção seja infundada, o facto de ela existir é já muito mau, por duas razões, fundamentais:

- a primeira está na causa desse sentimento, ou seja, no que leva as pessoas a pensar assim – por exemplo, os diversos casos de decisões judiciais mal aceites pela opinião pública. E sabe-se que a justeza de uma decisão judicial está na sua aceitação pela sociedade;

- a segunda razão é a consequência daquele pensamento, isto é, o descrédito na justiça – como se sabe, um dos pilares da democracia e da preservação da ordem e da tranquilidade públicas.

Uma sociedade que não confie na justiça é uma sociedade insegura, descrente dos valores e que, em último caso, pode ser levada a substituir-se aos tribunais, na resolução dos conflitos que a atingem. Este cenário seria perfeitamente idóneo à prática dos maiores atropelos à ordem e à segurança sociais e, em breve, desembocaria num autêntico “far west”;

3. – A falta de ética e de seriedade no exercício da política. Para chegarmos a esta conclusão, para além da corrupção, basta assistirmos aos debates políticos, como os da Assembleia da República (onde amiúde, e quase exclusivamente, se privilegia o interesse partidário em detrimento do nacional) e basta atentarmos nos critérios de selecção (melhor diria, na falta deles) das individualidades para ocuparem cargos nos órgãos da Administração Pública, nos institutos públicos, nas empresas públicas, ou nas com participação do Estado, apenas para satisfazer clientelas políticas, atirando, criminosamente, para trás das costas o interesse nacional.

Mas também, e já agora, o recrutamento de políticos influentes, para colocação nos órgãos de gestão de grandes empresas privadas, conhecidas por “empresas do regime”, para beneficiarem de benesses do Estado, numa prática desigual, paternalista e discriminatória, relativamente à esmagadora maioria dos outros agentes económicos, com os consequentes prejuízos para estes, para o Estado e, em última análise, para a economia nacional, resultantes, sobretudo, dos privilégios concedidos àquelas “minoritaríssimas” empresas, e da inerente subversão das regras de funcionamento da economia, da livre concorrência e do mercado, geradoras de emprego e de riqueza;

4. – A complacência do Estado ante o fosso que tem vindo progressivamente a instalar-se entre, por um lado, uma ínfima camada de privilegiados e, por outro, a esmagadora maioria das empresas e dos cidadãos, deprimindo, cada vez mais, a economia nacional, como resultado da actuação, totalmente desregulada e cartelizada, de algumas empresas, como, por exemplo, a Galp, a EDP, as das telecomunicações – aumentando escandalosamente os custos dos seus produtos e serviços – e os bancos – inexplicável e inaceitavelmente beneficiadores fiscais, relativamente às demais empresas, e taxadores de tudo “o que mexer” em qualquer tipo de contrato com os clientes, como os de depósito.

E, finalmente, a não menos complacente atitude do Estado face aos indecorosos salários, prémios e outras regalias dos gestores de certas empresas, públicas, ou com participação do Estado, mas também privadas, tudo que continuará, com grande probabilidade, mesmo com a gravíssima crise económica, por que o país já está a passar, de enorme desemprego e sacrifícios sociais e em que se exigiria tanta contenção!


O ACESSO À MAGISTRATURA JUDICIAL

No Expresso da semana passada veio publicado um artigo do Senhor Juiz-Desembargador, Dr. Eurico Reis, intitulado “Memórias de um juiz de aviário”, sobre uma eventual redução do tempo de estágio de formação de juízes e procuradores (no Centro de Estudos Judiciários), que aquele ilustre magistrado criticou com invejável lucidez, como, aliás, é seu apanágio.

Ao ler o seu artigo, suscitou-se-me o desejo de revisitar um que escrevi, em Maio de 1994, a que atribuí o título supra, artigo este que veicula as mesmas preocupações ali expressas pelo Dr. Eurico Reis, embora indo mais longe do que ele. É este artigo que aqui ora ressuscito e rezava assim:

1. – O recrutamento e formação dos magistrados judiciais continua a deixar de fora um elemento essencial na administração da Justiça – a experiência, esta magnífica fonte de intuição da realidade.

Inexplicavelmente, nas últimas décadas, os sucessivos Governos têm vindo a desprezar tão valioso elemento!

Como é possível abdicar da sabedoria e da prudência que só a experiência pode fornecer!... 

Como se sabe, elas não se adquirem nas escolas institucionais. Adquirem-se na escola da vida. Um bom jurista pode ser um mau juiz, se delas não for detentor. Ora, o que a sociedade mais precisa, nos tribunais, sobretudo nesta época de grave crise de valores, é de bons juízes, bons julgadores; não apenas de bons juristas. Para julgar, não basta saber-se interpretar o direito. Importante é que se saiba também, e antes de tudo, interpretar os factos. E este conhecimento, nem a faculdade, nem o Centro de Estudos Judiciários (CEJ) transmitem, pelo menos na medida necessária. Ele só pode advir da experiência.

Por outro lado, quem está a ser julgado tem que confiar na justiça, cuja primeira face é quem julga. Essa confiança é indispensável à credibilidade da justiça, também ela absolutamente necessária ao imprescindível respeito pelo poder judicial e ao prestígio dos tribunais. Por isso, cabe ao julgador transmitir tais confiança e credibilidade, o que muito dificilmente um jovem de 30 anos (e muitas vezes menos!) poderá, naturalmente, fazer. O que, muitas vezes, transmite é insegurança, quando não também despotismo e falta de humildade, esta quase sempre fruto daquela. As excepções são, infelizmente, menos do que o desejável, mas são bom prenúncio.

Antes havia a preocupação de formar os juízes pela experiência, primeiro, seguindo um percurso como magistrados do Ministério Público, depois, ingressando na magistratura judicial, mediante concurso. Ou seja, primeiro aprendia-se a ser juiz, adquiria-se experiência dos processos, mas também da vida, e só depois é que se era juiz. Agora é o contrário: é-se juiz antes de se saber sê-lo!

Pois bem, se antes existia a tal preocupação, quando a honra e o respeito eram valores predominantes no relacionamento social e, também por isto, havia muito menos conflitualidade, não faz qualquer sentido que tivesse deixado de o ser, quando a observância daqueles valores é já uma miragem e a conflitualidade se apresenta cada vez mais sofisticada e emergente de situações e fenómenos sociais que dificilmente serão entendíveis por quem, naturalmente, não seja detentor da referida experiência, como os jovens, que têm passado toda a sua, ainda pouca, vida entre as paredes da faculdade e do CEJ. Até poderão produzir decisões muito “legalistas”, mas isso não nos dá a garantia de serem as mais discernidas, as justas! E, como se sabe, algumas vezes não o são. Ora, é o direito que está ao serviço da justiça; não o contrário.

Parece-me, portanto, claro que não se tem dedicado a atenção de que o sector da justiça carece. Por autismo dos políticos? Porque estes tendem a adoptar as medidas mais fáceis e de efeitos mais imediatos, que não as necessárias? Por corporações ou “lobbies não o permitirem? Porque se receia demais enfrentar os mais graves problemas com que se defronta a sociedade? (E este, poucos discordarão, é um deles: por exemplo, quando os cidadãos esperam anos e anos, não raras vezes mais de cinco, por uma decisão não estamos perante um grave problema social? A situação em que a economia se encontra não terá como uma das principais causas o estado deplorável da justiça, independentemente dos efeitos das conjunturas políticas ou económicas? Quem, menos honesto, paga quando deve fazê-lo, sabendo do marasmo e da inoperância dos tribunais? Quantas empresas não fecham as portas porque não conseguem cobrar os seus créditos?).

2. – Mas, então, qual deveria ser o caminho a seguir?

No estado em que as coisas se encontram, parece-me que o acesso ao exercício da magistratura judicial deveria poder fazer-se também pela via electiva, sendo os candidatos juristas, de nacionalidade portuguesa, de reconhecidos méritos técnico e moral, preferencialmente dotados da rica experiência do foro, como advogados, com pelo menos 10 anos contínuos e efectivos dessa experiência. Saber quem eles são ou onde se encontram não seria tarefa difícil. Por exemplo, a Ordem dos Advogados, designadamente através dos seus Conselhos Distritais, não terá dificuldade em “descobri-los”. (Obviamente, a proposição das suas candidaturas, dependeria sempre das suas aceitações para o exercício dessas funções).

O período deste exercício seria de 5 ou 7 anos, o que, com melhor ponderação, se entendesse ser o melhor.

Terminado cada período, o jurista poderia recandidatar-se a novo período, desde que, no termo daquele, a sua idade não ultrapassasse a da reforma.

O acesso aos tribunais superiores far-se-ia (obviamente, em função das vagas) por mérito encontrado através da avaliação do trabalho desenvolvido na instância inferior.

Requisitos para a candidatura à magistratura seriam: (i) a não filiação partidária, actual ou antecedente; (ii) a não filiação, actual ou antecedente, em qualquer associação de natureza política, étnica, religiosa ou outra que pudesse influir no exercício das funções; (iii) o não patrocínio da candidatura, seja a que título for, por qualquer partido político ou por associação de qualquer daqueles tipos; (iv) a não condenação, em processo criminal, com sentença transitada em julgado, pela prática de qualquer delito que afecte a sua honorabilidade para o exercício do cargo; (v) a não condenação, em processo disciplinar, com decisão, transitada em julgado, pela prática de qualquer facto considerado grave; (vi) outros requisitos conformes com a dignidade da magistratura.

O universo dos eleitores seria constituído apenas por juízes, agentes do Ministério Público, advogados, solicitadores, todos eles ainda que já na situação de reforma, e funcionários judiciais. Os candidatos seriam eleitos pelos círculos judiciais onde exercem a sua actividade há pelo menos 10 anos, de modo a permitir o seu conhecimento pelos eleitores. Uma vez eleitos, exerceriam as suas funções em círculos judiciais distintos daqueles que os elegeram e dos da sua residência. 

As vantagens desta via de acesso à magistratura judicial são, a meu ver, inquestionáveis: para além das que atrás refiro, realço as maiores legitimidade e independência do juiz, a sua maior responsabilização perante a sociedade, a maior garantia quanto à qualidade da justiça e à celeridade nas decisões, cujas consequências, designadamente para a recuperação do prestígio e da credibilidade da justiça e para a economia nacional, seriam inestimáveis. Enfim, seria quase tudo o que o nosso País precisa!

Em democracia, nada confere mais legitimidade ao exercício de um poder, qualquer que ele seja, do que a eleição do seu titular. Na matéria em apreço não me parece que possa haver qualquer impedimento à perfilhação desta alternativa – a não ser o actual quadro legislativo, que, para o efeito, careceria de ser alterado.

3. – Mas a adopção desta via não pressuporia a subalternização do CEJ, nem poderia significar menosprezo pela sua valia na preparação teórica, reconhecidamente boa, dos auditores (futuros juízes e procuradores).

Tratar-se-ia, apenas, de uma de duas distintas vias de acesso à magistratura judicial.

Porém, porque aquela preparação (teórica) é insuficiente, obtida ela, os auditores, teriam que percorrer todo um trajecto de enriquecimento empírico, nos tribunais – junto de magistrados judiciais, acompanhando-os e coadjuvando-os nas suas tarefas – nas conservatórias dos registos prediais, civis e comerciais, nos notários e nos serviços de finanças.

Este percurso, cuja duração não deveria ser inferior a 3 anos, terminaria com uma prova, composta por uma parte teórica e por uma parte prática – com os índices de avaliação 40 e 60, respectivamente – que seria avaliada por um júri composto por um magistrado, que a ele presidiria, a indicar pelo Conselho Superior da Magistratura, um advogado, a indicar pela respectiva Ordem, um conservador do registo predial e comercial, um conservador do registo civil e um notário, estes a indicar pelo Director Geral dos Registos e do Notariado.

Só depois de terminado este percurso, com aproveitamento, é que o auditor ingressaria na magistratura judicial e, portanto, poderia julgar.


DELAÇÃO PREMIADA

Hoje, proponho-me abordar aqui a questão da delação premiada, como já o fiz no facebook, todavia com menos desenvolvimento.

Faço-o porque se me afigura tratar-se de um tema extremamente importante e delicado que se coloca à justiça e também, como não podia deixar de ser, à sociedade em geral – principal destinatária daquele bem (a justiça) fundamental e imprescindível na vida das pessoas.

E faço-o também como reacção, se se quiser, a algum entendimento de defesa da delação, que já ouvi e li, expresso por alguns juízes e por algumas pessoas do meio social, estas, todavia, mais “desculpáveis” do que aqueles, digo eu, por não terem cultura jurídica e serem, aparentemente, levadas a esse juízo, por estarem fartas de se darem conta de uma certa impunidade, que grassa por este país, mormente em certa classe mais bem colocada na sociedade!

Lamentável, muito lamentável, a meu ver, é, em certos meios judiciais parecer existir uma corrente que entende que a delação premiada é um meio de se “chegar à verdade material”!

Pois, quanto a mim, só o facto de a delação estar associada ao termo “premiada” me assusta.

Com efeito, em meu entendimento, delação é, antes de tudo, uma forma de perverter os princípios e as regras da justiça e é, ou pode ser, um meio de a instrumentalizar, de a descaracterizar, de a falsear.

A delação premiada permite o uso de todo o tipo de vingança, o ajuste de contas, entre outras abjecções. Nada nos garante que isto não aconteça. E basta acontecer uma só vez para que seja de mais!

O delator premiado pode agir sob qualquer pressão, não do tribunal, perante o qual depõe. Pode agir a soldo de interesses particulares, de qualquer natureza, como a económica, a política, etc.

Na delação não há a mínima garantia de isenção, até porque o delator age em função de um interesse próprio – o de ver reduzida a sua pena, ou o de se livrar dela, ou o de ganho, como contrapartida por favorecer alguém com o seu premiado depoimento.

Ora, pior, muito pior, do que absolver um culpado (obviamente por falta de prova) é condenar um inocente, sobretudo se esta condenação resultar de uma prova falsa, que bem pode ser produzida por delação motivada por prémio. Não pode haver inocentes onde se quer que haja culpados.

Se o delinquente se recusa a confessar a prática do crime é à administração da justiça que incumbe convencê-lo, por meio de prova, de que o praticou. Isto emerge do facto de a ordem imposta pelo Estado ser garantida unicamente pela lei. Mal de nós se assim não fosse. 

Na sociedade civil, há quem admita que a delação premiada pode trazer “benefício” para a justiça, com o argumento de que ela pode permitir ao tribunal descobrir a verdade.

Com o devido respeito por quem assim entende, a justiça nunca é beneficiada por meios a ela exteriores, quer dizer, por meios alheios às suas regras.

Em meu humilde juízo, uma decisão judicial motivada por um depoimento premiado é uma decisão prostituída. Ainda que o delator tenha deposto com verdade. Esta é uma verdade que não me interessa, que não deve interessar a ninguém, porque ela pode levar-nos a que os tribunais passem a aceitar, por sistema, estes meios de prova perversos.

O que a justiça, no nosso país, precisa é, sem a menor dúvida, de meios humanos e materiais suficientes para cumprir e ser cumprida. É sobre esta premente questão que o Governo devia de se debruçar muito afincadamente – tal o estado de necessidade a que a justiça, o nosso país, chegou!

Por tudo isto, DELAÇÃO PREMIADA NUNCA.


COMO PODE ALGUÉM CONTINUAR A DEFENDER A GUERRA!...

No tempo que já levo de vida, não me lembro de alguma vez não existir guerra ou ataques terroristas em qualquer parte do mundo.

Invariavelmente, quando aquela ou estes ocorrem, a discussão coloca-se espontaneamente no modo de os combater: uns defendem que eles se combatem com diálogo; outros, como, por exemplo, os defensores da política internacional dos Estados Unidos, opinam que é com guerra (provavelmente com invasões de países, mais mortandade de pessoas inocentes e indefesas, a latere do direito, como a história nos tem vindo a mostrar).

Pois bem, no meu modesto juízo, nem uma, nem outra daquelas “receitas” é a correcta, sob o ponto de vista da eficácia.

Mas se tivesse que optar por uma delas não hesitaria em prescrever a primeira, isto é, a do diálogo – esta civilizada e sensata via de solucionar diferendos, a que, infelizmente, tão pouco se recorre.

A meu ver, o único meio eficaz de resolver um problema – a guerra e o terrorismo (a guerra gera-o sempre) podem ser, e em regra são, um dos maiores problemas, senão o maior, que ao ser humano se pode deparar, na medida em que causam a morte e a destruição e são inimigos da paz – o único meio eficaz de resolver um problema, dizia, é combater e eliminar a sua causa. Por isso, a primeira coisa a fazer é descobri-la.

Na minha opinião, a causa única do terrorismo, com que a Humanidade tem vindo sistematicamente a confrontar-se, é a violência e a desumanidade da injustiça, assente na arrogância, na mentira e no desprezo absoluto pelos direitos humanos – a única causa do terrorismo é, afinal, precisamente o terrorismo.  

Aqui chegados, importa definir, desde já, o que é terrorismo. Qualquer dicionário o definirá como sendo todo o acto violento que causa ou provoca terror. E se esta definição está correcta – como definitivamente e sem imodéstia considero que está – terrorista é todo aquele que pratica tal tipo de actos, independentemente da motivação e da qualidade em que o faz, da raça a que pertence e do credo que professa: não há terrorismo bom e terrorismo mau; não há terrorismo melhor e terrorismo pior; ou há terrorismo, ou não há. E o terrorismo é péssimo.

No que concedo é que ele possa manifestar-se de modos diferentes: embargo económico e sanitário a um país, acarretando a fome e a doença dos seus habitantes, e vezes tantas a morte, designadamente de crianças, idosos e doentes, como vezes demais, um pouco por todo o mundo, tem acontecido, é terrorismo? Não tenho dificuldade em aceitar que é, no mínimo, um modo de o provocar; invadindo países soberanos, com todo o cortejo de mortos, estropiados e destruição, mesmo quando antes não tenha existido qualquer acto bélico hostil desses países para com o invasor, é terrorismo? Sem dúvida que é; testar armamento bélico, ainda por cima o mais horrendo e mortífero, como é a bomba atómica, lançando, sem aviso prévio, duas delas, como fizeram os Estados Unidos sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, em que foram bárbara e indiscriminadamente chacinadas, sem dó, nem piedade, ali, 300 mil pessoas, aqui, 200 mil, é terrorismo? Quem pode duvidar?

Já agora que diferença qualificativa existe entre aquele acto e o do 11 de Setembro? Qual deles pode fazer esquecer o outro? Quem é mais terrorista, Ossama Bin Laden ou o monstro que ordenou o lançamento daquelas bombas?

E se todo o efeito tem uma causa, porque terão surgido (entre outros) o terrorista Bin Laden e os terroristas suicidas palestinos? A esta questão, sobre que a Humanidade se interroga, ainda não ouvi nenhum governante americano ou qualquer dos seus acólitos responder, com sensatez! Seria, sem dúvida, interessante que o fizessem. Mas sem hipocrisia. É claro que nunca o farão…

Que reacção se pode esperar de povos sobre quem, sistematicamente, se provoca o terror?

Alguém duvida de que terror gera terror?

Alguém, minimamente informado e de bom senso, pode duvidar de que, contrariamente ao que certos políticos ocidentais disparatadamente estão a pretender fazer passar, o que, nesta matéria, temos vindo a assistir na cena internacional não é a uma guerra entre religiões, mas antes ao confronto entre, por um lado, uma política internacional de domínio, pela humilhação e pelo terror, protagonizada pela única superpotência e por alguns países seus acólitos, sobretudo Israel, e, por outro lado, uma natural reacção dos povos oprimidos e humilhados por essa política?  

É por tudo isto patética ilusão admitir-se que existem medidas que previnem o terrorismo, mantendo-se aquela política de agressões.

Tenho, pois, como certo que o terrorismo – interno ou internacional – só se combate com o respeito pelo direito. O terrorismo jamais será aniquilado pela guerra, porque antes com ela é estimulado.

Se não, como explicar, por exemplo, que, tendo o motivo (oficial) para a invasão do Afeganistão sido o combate ao terrorismo internacional (aforismo invariavelmente utilizado para justificar qualquer acção de violação do direito internacional) e a eliminação de Bin Laden, aquele se tenha fortalecido e continuado activo, mesmo após a eliminação deste, ocorrida muitos anos depois daquela invasão?

E como explicar que um dos motivos (também oficiais) para a invasão do Iraque tivesse sido o combate ao mesmíssimo terrorismo e, desde então, este país tenha passado a viver a ferro e fogo, sobretudo durante vários anos após aquele acto bélico, assente, como logo se viu, numa ignominiosa mentira?  

Como pode alguém continuar a defender a guerra!…

 

António Grosso Correia
(Compulsivo desrespeitador do acordo ortográfico)