Francisco Gil

Contemplações

Francisco Gil

O Cânone de Policleto

Policleto, oriundo de Argos (Peloponeso, Grécia), era um pouco mais novo do que o ateniense Fídias, e foi seguramente o segundo maior escultor do século V a.C. Muito pouco se sabe sobre a vida e a carreira deste grande talento, mas temos provas das suas obras mais importantes, algumas das quais conhecemos através de cópias romanas. Outro dado interessante é que Policleto é o autor de um livro intitulado Cânone, no qual explica os princípios da sua arte e trata de forma sistemática o problema das proporções corretas do corpo humano e das suas partes. O texto de Policleto não sobreviveu ao tempo, mas sabemos, através de cópias da época romana, de uma obra sua em que aplicou com exatidão o sistema de proporções que descreveu. Esta obra é uma estátua de um jovem solteiro e nu, que provavelmente segurava uma lança na mão esquerda, conhecido como Doryphoros (Doríforo). A cópia mais bem conservada provém do teatro de Pompeia e encontra-se no Museu Arqueológico de Nápoles.

É muito provável que a estátua original, que era certamente de bronze, representasse um jovem atleta olímpico ou um herói da mitologia (por exemplo, Aquiles ou Teseu), que não se pode identificar com exatidão. A estátua é notável pela sua posição ereta. A perna descontraída está levemente dobrada e a tíbia vai para trás e para os lados, enquanto o pé pressiona o chão apenas com as pontas dos dedos. Esta postura faz com que a pélvis se incline para o lado da perna confortável, enquanto os ombros se inclinam na direção oposta. Desta forma, a estátua tem uma estrutura equilibrada, mas parece simultaneamente móvel. Por outras palavras, o observador pode, dependendo do ângulo a partir do qual vê a obra, assumir que o jovem está de pé, relaxado, ou a caminhar lentamente. Assim, Policleto criou um padrão de suporte que lhe permitiu adaptar uma forma estritamente estruturada a diferentes contextos sem ser obrigado a modificá-la demasiado e a alterar as suas proporções.

O Doríforo de Policleto data de cerca de 450 a.C. e teve uma influência imediata e significativa na arte ocidental. Já no friso do Pártenon em Atenas, encontramos algumas formas que ecoam claramente as proporções e a configuração do Doríforo, ou seja, o cânone de Policleto. Uma outra estátua com um estilo e proporções semelhantes, também atribuída a Policleto, é o Diadúmeno. Esta obr
a, originalmente em bronze, é conhecida através de cópias romanas em mármore, a melhor das quais foi encontrada na ilha de Delos, e está atualmente no Museu Nacional de Arqueologia em Atenas. Representa um jovem atleta que, após a sua vitória, ata uma faixa à cabeça. Apesar de todas as semelhanças na estrutura corporal e na representação de pormenores anatómicos (por exemplo, os músculos peitorais e abdominais), o Diadúmeno é uma criação posterior e data provavelmente de 430-420 a.C. A cópia de Delos data de cerca de 100 a.C. Não é por acaso que a figura é um atleta; Policleto era conhecido como um criador de estátuas de vencedores de competições atléticas e sabemos que algumas das suas obras retratavam famosos atletas olímpicos. Policleto teve oportunidade também de orientar alunos, alguns dos quais se destacaram também, na realização de estátuas de atletas. Assim, pode-se falar da existência de uma “escola policládica” na escultura da segunda metade do século V e início do século IV a.C.

Policleto ficou conhecido pelas estátuas de homens jovens (principalmente atletas) que mandou fazer. Mas, de acordo com o testemunho do geógrafo e viajante grego, Pausânias, também é da autoria de Policleto a estátua de ouro e marfim da deusa Hera no seu templo em Argos, o Heraion, o grande santuário da deusa Hera. O antigo templo de Hera que foi destruído por um incêndio em 423 a.C. foi reconstruído e a estátua de Policleto foi feita para esse novo templo, que foi construído nos últimos 20 anos do século V a.C. Uma dificuldade que esta informação levanta é a ideia de que Policleto, devia ser demasiado idoso (se é que ainda era vivo) quando o novo templo de Hera estava a ser construído para empreender e completar tal obra. Por isso, alguns arqueólogos creem que a estátua de Hera terá sido executada por um filho de Policleto, que tinha o mesmo nome do pai. É possível, no entanto, que o escultor tenha supervisionado a criação desta estátua, tão importante para a sua pátria, já numa idade avançada. Sobre a estátua de ouro e marfim de Hera, o viajante Pausânias conta que ela estava sentada num trono, usava uma coroa com representações das Horas (personificações das estações do ano) e segurava uma romã numa mão e um cetro na outra.