Francisco Gil

Contemplações

Francisco Gil

Jago, um criador hiper-realista

Hiper-realismo:
Corrente de pintura, escultura e artes gráficas, originária dos EUA na década de 70 do século passado, cujo objetivo era reproduzir a realidade de modo minucioso e fiel, à semelhança de uma fotografia.


Jago, de seu nome Jacopo Cardillo, é um artista italiano nascido em 1987. Escultor, fotógrafo, videomaker, músico, Jago é tão minucioso nas suas obras que em cada escultura sua é possível ver os pequenos detalhes de um rosto, as linhas da pele, as rugas ou as simples pregas cutâneas. Tudo isso esculpido em mármore branco como a neve, nos mais ínfimos detalhes.

Em finais de 2022 numa interessante exposição em Bolonha, Itália, no Palazzo Albergati, algumas obras de Jago foram expostas juntamente com as de dois outros artistas vivos bem conhecidos, Banksy e TvBoy. Para alguns de nós, por vezes, há algum preconceito e a ideia preconcebida de que as obras numa exposição de arte têm por detrás artistas reconhecidos e com qualificações especiais e com uma formação académica de prestígio. Todavia, se pensarmos em nomes importantes e bem conhecidos do grande público, por exemplo, Walt Disney, que abandonou a escola e, antes de se tornar no que conhecemos agora, vendia aspiradores de pó de porta em porta; Ou Albert Einstein, que tinha uma péssima memória e chumbou no teste de admissão à universidade, tendo de o repetir várias vezes, mas que, apesar disso, é considerado um génio da ciência, ou os mais recentes Steve Jobs, com problemas na escola devido à dislexia, Bill Gates e Mark Zuckerberg, que fizeram fortuna com a sua genialidade, apesar de terem abandonado o ensino superior formal.
São apenas alguns exemplos que nos mostram que, na vida, por vezes é necessário ousar e ouvir a nossa vontade de querer fazer, acreditar nela e não ceder àqueles que nos dizem "não, isso não está certo, não estás preparado, não és adequado".

E foi isso que Jago fez. Não tinha qualificações e abandonou a Academia porque o seu professor lhe tinha negado a oportunidade de expor na Bienal, dizendo que lhe cabia a ele decidir se estava pronto ou não, apesar de Jago ter sido convidado pelo crítico de arte Vittorio Sgarbi. Jago, no entanto, era corajoso, acreditava no seu trabalho e queria mostrá-lo, e assim o fez, deixando a Academia e começando a seguir o seu sonho e aqueles que acreditavam nele.
Queria tanto mostrar o que fazia e como o fazia que, através das redes sociais, começou a mostrar o "making of" das suas obras. De facto, como nos diz Jago: "os bastidores são por vezes mais interessantes do que o trabalho em si". Um dos seus trabalhos que mais impressiona é a reprodução do Busto do Papa Bento XVI (Habemus Hominem) e a sua história.

No início, o Vaticano não gostou do facto de Jago ter furado os olhos do busto do Papa. Pediram-lhe que os preenchesse porque o Papa tem uma certa imagem a preservar. Jago recusou. Não queria mudar a sua obra. Convenceu-se de que o Papa não gostava da obra quando, de facto, este nunca a tinha visto. Um dia, quando estava a desmontar a exposição, Jago soube que o Papa tinha renunciado. Assim, tal como Ratzinger retirou o seu manto papal, Jago decide despir também o tronco do seu busto, retirando-lhe a túnica. Decide também preencher os olhos que o tinham limitado no início, dando-lhe uma visão que segue o olhar de quem o contempla.

Outra das obras surpreendentes de Jago, sobretudo pela sua história, foi a primeira escultura em mármore a ir para o espaço. A escultura chama-se First Baby e é um pequeno feto de uma criança, simbolizando o enorme potencial da humanidade. "Não ponham limites às vossas ambições e o céu será o vosso novo ponto de partida". Foi para o espaço na missão Beyond da Agência Espacial Europeia em 2019. Nunca na história da indústria aeroespacial tinha acontecido uma escultura ir para o espaço. Jago é realmente poderoso, um artista muito presente nos novos meios de comunicação de massas, nas redes sociais.

O ímpeto em provocar, em tomar um novo rumo nas artes visuais do nosso tempo, entende-se bem na sua obra escultórica intensa e instigante: a Vénus de Jago. Jago, com a sua Vénus, tenta encarnar um conceito de beleza ligado à interioridade da alma humana e não aos habituais estereótipos exteriores comummente aceites. De facto, a Vénus de Jago não é senão uma mulher idosa que, com coragem e sem vergonha, exibe a graça de um corpo cuja beleza não reside na perfeição da sua forma, mas na verdade do que propõe. A Vénus de Jago, de facto, fala de uma vida vivida, de um corpo que está agora em decomposição, mas que mantém o seu esplendor em virtude do que foi e do que passou. Também nesta obra encontramos o pormenor dos olhos que perseguem a pessoa que a olha, como acontece com o Papa. A velha tem um passado, uma experiência a partilhar e, encantado pelos seus olhos magnéticos, o espectador dá por si a ouvir a história desta mulher enquanto reflete sobre a sua própria história. Jago diz que quando as pessoas vêem o seu mármore, perguntam-lhe se é falso, se é verdadeiro, se é feito de resina, se o moldou, porque não concebem que uma pedra possa ser dobrada dessa forma, porque as pessoas só conhecem a realidade dessa forma. Surpreender as pessoas e dar-lhes coragem, era um dos seus objetivos e conseguiu-o muito bem.

Diz-nos Jago: "Imaginem se Miguel Ângelo tivesse podido colocar no Facebook o vídeo em time-lapse da construção de David! Por favor! Eu quero ver! Apaixonei-me pelos grandes artistas porque fiquei espantado com o facto de homens normais, como eu, com um cérebro, dois olhos, mas sobretudo duas mãos, poderem fazer coisas tão incríveis por si próprios! E eu disse: Mas eu também quero fazê-las! Eu também! Se eu, em criança, não tivesse dito dentro de mim "quero ser mais forte do que Miguel Ângelo, melhor, maior do que ele!", nunca me teria entusiasmado, nunca teria começado a esculpir. Porque ver uma pessoa que consegue esculpir, uma pessoa que consegue desenhar, uma pessoa que consegue trazer algo ao mundo, como uma criança, dá coragem. E é disso que as pessoas precisam, coragem! A arte é uma ótima oportunidade para dar coragem às pessoas".

A Pietà de Jago, exposta no interior da Capela do Crucifixo da Basílica de Santa Maria do Montesanto, em Roma, conhecida como a Igreja dos Artistas pela sua ligação histórica ao mundo da arte e da cultura, é uma demonstração de grande eloquência e paixão pela obra de Miguel Ângelo, a Pietà existente na Basílica de S.Pedro no Vaticano. Jago mostra-nos uma obra de arte contemporânea que reelabora o tema da piedade, esse momento de máxima reflexão e dor em que a humanidade se identificou durante séculos. Jago, passou mais de um ano na sua oficina em Sant'Aspreno ai Crociferi, em Nápoles, para a sua realização.

Muito apreciado pelos utilizadores das redes sociais, Jago é um artista multifacetado que combina talento artístico e capacidade de comunicação: tem uma relação viva e direta com o público, partilhando online as diferentes fases de realização das suas criações. Expôs as suas obras em Itália, nos Estados Unidos e na China e o seu meio preferido é a escultura. A sua pesquisa artística baseia-se em técnicas herdadas dos mestres do Renascimento e utiliza um material tradicional como o mármore para contar histórias da nossa contemporaneidade.

Podem dar uma vista de olhos na sua página de instagram @jago.artist

JAGO | Habemus Hominem (2009-2016)