Francisco Gil

Contemplações

Francisco Gil

O Êxtase de Santa Teresa

Santa Teresa de Ávila (1515-1582) foi uma freira, mística espanhola que viveu no período da Contrarreforma ou Reforma Católica. Algumas fontes sugerem que na sua infância, Teresa de Cepeda y Ahumada (seu nome de nascimento) era voluntariosa e teve uma intensa educação cristã como era habitual nesse tempo, tendo optado por entrar para o convento das Carmelitas, com base na crença de que, como freira, teria mais liberdade para sua vocação.

Ao entrar para o convento com 19 anos, Teresa ficou gravemente doente, possivelmente deprimida, sujeitando muitas vezes o seu corpo à automutilação. Aos quarenta anos, Teresa já se tinha adaptado à sua nova vida espiritual, quando um dia, enquanto rezava e cantava o hino gregoriano "Veni Creator Spiritus", experimentou o primeiro dos episódios que a acompanhariam para o resto da sua vida: um arrebatamento.

Nos seus escritos, Teresa descreve como se sentia subitamente consumida pelo amor de Deus, sentia a presença corporal de Cristo ou de anjos, e era elevada a um estado de êxtase. Embora durante a sua vida Teresa tenha sido por vezes ridicularizada por tais afirmações, ou mesmo acusada de comungar com o demónio, tornou-se uma figura proeminente na Igreja. Teresa foi uma das três únicas doutoras da Igreja e foi finalmente canonizada em 1622 pelo Papa Gregório XV.

A famosa escultura de Gian Lorenzo Bernini (1598–1680) «O Êxtase de Santa Teresa» foi encomendada pelo Cardeal Federico Cornaro de Veneza em 1647 para a sua capela funerária em Santa Maria della Vittoria, substituindo a anterior escultura que mostrava São Paulo em êxtase. O Cardeal contratou um Bernini já famoso, mas em declínio – a sua reputação tinha sido manchada em 1646, depois das torres sineiras para a fachada da Catedral de S. Pedro, da qual era o arquiteto principal, terem ruído por deficiências estruturais.

O Êxtase de Santa Teresa é considerado por muitos como o apogeu da obra de Bernini e é notável pelas qualidades estéticas e rigor nos mais ínfimos detalhes. A obra é muitas vezes descrita como obra de arte total, pela incorporação de uma grande diversidade de elementos visuais: escultura, pintura e efeitos de iluminação, todos apresentados num cenário teatral. O Êxtase de Santa Teresa não é apenas uma escultura, mas um conjunto escultórico de grande dimensão. Bernini concebeu toda a capela, criando um verdadeiro cenário completo de imensa beleza.

Apesar de alguns historiadores de arte insistirem que Bernini não poderia ter tido a intenção de imbuir este tema de uma energia erótica, uma vez que isso teria sido inconcebivelmente herético para a época, na realidade as implicações da sensualidade desta obra são inconfundíveis: o belo anjo jovem, de peito nu, abre suavemente o vestido de Teresa, preparando-se para a penetrar com a sua flecha, enquanto a santa atira a cabeça para trás com uma expressão de êxtase.

A sensualidade do momento retratado é diretamente inspirado nos escritos da própria Santa Teresa, nos quais ela descreve as suas experiências místicas em termos abertamente eróticos;

"... Ao meu lado, do lado esquerdo, apareceu um anjo em forma corpórea... Não era alto, mas baixo, e muito belo; e o seu rosto estava tão inflamado que parecia ser um dos anjos de mais alta categoria, que parecem estar todos a arder... Nas suas mãos vi uma grande lança de ouro, e na ponta de ferro parecia haver uma ponta de fogo. Ele cravou-a várias vezes no meu coração... e deixou-me completamente consumida pelo grande amor de Deus. A dor era tão forte que me fez soltar vários gemidos. A doçura provocada por esta dor intensa é tão extrema que não se pode desejar que ela acabe, nem a alma se contenta com outra coisa que não seja Deus. Não se trata de uma dor física, mas de uma dor espiritual, embora o corpo tenha alguma parte nela, mesmo uma parte considerável..."

Mais ainda do que nas suas obras anteriores, em O Êxtase de Santa Teresa, Bernini leva os princípios do Barroco (drama, emoção, teatralidade) a um nível impressionante. Note-se a ênfase nas qualidades dramáticas da luz, bem como a virtuosa e absolutamente fantástica massa de cortinados esvoaçantes. A obra, mostra o artista no seu melhor e ele mesmo considerava esta peça a sua mais bela criação. Descreveu-a como "a coisa menos má que alguma vez fiz". Uma exibição deslumbrante que incorpora arquitetura, escultura e pintura.

Bernini foi um dos artistas mais admirados e procurados, com a mais alta reputação no seu tempo. Os contemporâneos italianos e franceses elogiaram o artista com biografias pormenorizadas, seguros do génio que tinham entre eles. Desde os contemporâneos que trabalharam diretamente sob a sua orientação ou que competiram com ele por encomendas, até aos artistas modernos que se inspiraram na sua utilização do design multimédia emocional, muitos artistas podem agradecer a Bernini o desenvolvimento dos seus próprios estilos.

A carreira de Bernini abrange o auge do Barroco italiano. A arte barroca está profundamente ligada ao contexto religioso e político da Europa dos séculos XVI e XVII: após a Reforma Protestante, a Igreja Católica lançou a sua própria Contrarreforma para reafirmar o seu poder e atrair mais seguidores para a fé. Para tal, os líderes da igreja apelaram a espetáculos artísticos que cativassem a atenção, estimulassem os sentidos e elevassem a alma: em consequência, a arte barroca tende para o maciço, o dramático e o teatral.

As esculturas de Bernini são reconhecíveis pela sua teatralidade, drama envolvente, dinamismo, tensão, textura e naturalismo. Os dois últimos critérios (textura e naturalismo) são talvez os mais específicos de Bernini: ninguém consegue fazer com que a pedra transmita uma pele macia, cabelos encaracolados ou tecidos enrugados como Bernini. As suas esculturas são também únicas pela atenção cuidadosa que Bernini presta aos efeitos de luz e sombra, efeitos que são tradicionalmente mais importantes para o pintor do que para o escultor.

Leituras adicionais:
Bauer, George, ed. Bernini in Perspective. Prentice-Hall, 1976
Borsi, Franco. Bernini. Trans. Robert Erich Wolf. Rizzoli, 1984
Gould, Cecil. Bernini in France: An Episode in Seventeenth-Century History. Weidenfeld and Nicolson, 1981
Hibbard, Howard. Bernini. Penguin Books, 1965
Lavin, Irving. Bernini and the Unity of the Visual Arts. For Pierpont Morgan Library by Oxford University Press, 1980
Magnuson, Torgil. Rome in the Age of Bernini. Almqvist & Wiksell International
Morissey, J. P. The Genius in the Design: Bernini, Borromini, and the Rivalry that Transformed Rome. Duckworth, 2005
Wittkower, Rudolf. Gian Lorenzo Bernini: The Sculptor of the Roman Baroque. Cornell University Press, 1981