Os novos medievais
Margarida Vale
A Ciência Reprodutiva
- Partilhar 26/10/2021
A reprodução sexuada caracteriza-se pela
existência de dois fenómenos fundamentais: a
fecundação e a meiose. A fecundação é a
fusão de uma célula masculina com uma célula
feminina, originando um ovo ou zigoto.
Durante a fecundação dá-se a duplicação do
número de cromossomas, o que faz do zigoto
uma célula diplóide. Esta é a primeira
célula do novo indivíduo. Recebeu um lote de
cromossomas de cada um dos gâmetas, um de
origem paterna e outro de origem materna.
Estes formam pares e chamam-se cromossomas
homólogos. Começa agora a vida.
A
meiose é um fenómeno que compensa a
fecundação, reduzindo para metade o número
de cromossomas. É um processo complexo, que
tem duas divisões sucessivas. Cada célula
mãe com 2n cromossomas origina 4
células-filhas, tendo cada uma n
cromossomas. Na profase da primeira divisão
ocorre o crossing-over, em que os
cromatídeos dos cromossomas homólogos trocam
entre si segmentos de material genético.
Inicialmente dá-se uma fraca espiralização
da cromatina e os cromossomas estão finos e
longos, não se avistando os cromatídeos. Os
homólogos emparelham, são as díadas
cromossómicas ou bivalentes. Este processo
ocupa cerca de 90% da meiose. A recombinação
genética é aleatória e contribui para a
variabilidade genética.
A espécie
humana tem uma fórmula cromossómica
complicada, 23 pares de cromossomas, 44A+xx
na mulher e 44A+xy no homem e a maior parte
das características hereditárias resulta de
efeitos multifuncionais. O carótipo humano é
constituído por 46 cromossomas. Estes são
constituídos por ADN, ácido
desoxoribonucleico e são os responsáveis
pela transmissão de informação hereditária.
Este ácido é constituído por 4 substâncias
químicas, a adenina, a timina, a guanina e a
citosina. Os genes são segmentos de ADN e
distinguem-se entre dominantes, que produzem
efeito mesmo quando só existem num par e
recessivos, produzindo somente efeito quando
estão presentes nos dois cromossomas do par.
O genótipo é o conjunto das heranças
genéticas e o fenótipo é o conjunto das
características do indivíduo que resultam do
genótipo e do meio. O ser humano é um ser
inacabado biologicamente; quando nasce ainda
não tem todas as suas competências
desenvolvidas, o que é uma grande vantagem
pois possibilita-lhe melhor aprendizagem e
desenvolvimento.
Na verdade a meiose
é constituída por diversas fases, a profase,
já referida, a metafase, quando os
cromossomas se dispõem aleatoriamente na
placa equatorial e presos ao fuso cromático,
a anafase, onde ocorre a separação dos
cromossomas e afastamento para os pólos
opostos e a telofase, que é a despiralização
cromossomática e a formação de dois núcleos
haplóides. Estas mesmas fases repetem-se na
fase II concluindo, assim, o ciclo e a
contribuição para a grande variabilidade
genética, assegurando a sobrevivência de
evolução das espécies.
Mas nem sempre
ocorre deste modo regular e sequencial.
Podem dar-se falhas, erros. Um gene é uma
sequência específica de pares de nucleótidos
que codifica um determinado polipéptido.
Basta haver uma pequena alteração na
sequência dos pares de bases azotadas para
que se sintetize um polipéptido diferente do
que estava originalmente codificado. É um
gene novo, alelo do primeiro, que ocupa o
mesmo locus no cromossoma. É uma "gralha"
genética que vai alterar todo o código.
Estes fragmentos podem ser colocados em
várias posições.
E o que acontece quando esta "gralha",
esta não comunicação se dá? Um dos
distúrbios mais conhecidos é o síndrome do
"grito do gato", que acontece num braço mais
curto de um dos cromossomas do par nº 5.
Manifesta-se através de diversas
malformações, como a microcefalia, atraso
mental, quociente de inteligência baixo e
modificações da laringe, o que provoca um
som semelhante ao miar do gato em
sofrimento.
A trissomia 21 afecta o
par 21, que inclui outro cromossoma, ficando
assim, na totalidade 47 e não 46. Também
conhecido por mongolismo ou Síndrome de
Down, manifesta-se por alterações de
desenvolvimento físico e intelectual,
anomalias nas mãos e pés e uma expressão
facial caracterizada por maçãs do rosto
salientes e olhos oblíquos, devido a uma
particularidade na pálpebra superior.
Outro caso é o síndrome de Klinefelter
ou trissomia xxy e pode resultar tanto da
não separação dos cromossomas x durante a
ovogénese, como da não separação dos
cromossomas xy durante a espermatogénese. Os
indivíduos afectados são do sexo masculino e
possuem uma série de características
anómalas.
A não
disjunção dos cromossomas sexuais implica a
formação de gâmetas sem nenhum cromossoma
sexual. Dão origem a um zigoto de guarnição
cromossómica xo, o que origina a chamada
monossomia xo ou síndrome de Turner, que se
manifesta pela baixa estatura e ausência de
caracteres sexuais secundários.
De referir ainda um outro síndrome, o da
supermasculinidade, que é o resultado de uma
mutação cromossómica que só afecta os homens
e ocorre durante a segunda divisão da meiose
levando à formação de um outro cromossoma y.
Esta trissomia xyy encontra-se em pessoas
muito agressivas mas sem malformações
fisiológicas e morfológicas.
Apesar da ciência ter
evoluído, de se conhecerem novos caminhos e
novas técnicas, a natureza ainda consegue
tornear todas as descobertas, todas as leis
e todas as teorias cientificamente aceites.
É um desafio constante, um labirinto que
leva a várias encruzilhadas e que continua a
dar muitas dores de cabeça aos
investigadores. Toda a tecnologia disponível
ainda não consegue evitar estes "erros" que
continuam a acontecer e que servem para
provar que continuamos a evoluir, que o ser
humano é um ser inacabado.
Marlene e David
conheceram-se, como tantas pessoas o fazem.
Entre eles estabeleceu-se uma ligação
profunda e, sem qualquer constrangimentos,
deram-se um ao outro. O amor é grátis, não
obedece a regras e as leis não protegem os
jovens que se amam. O código civil é de
sentimentos e de emoções e nada mais pode
ser dito para alterar.
Desta relação
foi gerado um fruto, um bebé que se tornou
amado e desejado como a perpetuação de dois
seres que foram bafejados com o calor do
amor, esse sentimento que escasseia e que
deixa todos desorientados. Tudo parecia
correr bem até ao dia em que o Rodrigo
nasceu. A tormenta abateu-se sobre estes
pais já que o pequenino, aquele que conhecia
a luz do dia, mantinha a sua pura e nobre
inocência.
O menino não tem rosto e
nada lhes foi dito no sentido de estarem
preparados para uma situação limite.
Estiveram sempre tranquilos pois o médico
nunca lhes disse que havia algum problema.
Foi nessa circunstância que o Rodrigo veio
ao mundo e, mesmo antes de se ouvir o seu
primeiro choro, já o amor dos pais
transbordava. Um filho é um milagre e uma
bênção.
Contrariamente às
expectativas, a criança é uma lutadora e já
festejou mais um aniversário. O médico foi
logo ilibado, como é costume neste país, de
qualquer crime que possa ter cometido. Nos
dias de hoje, os exames médicos mostram as
irregularidades e os supostos. Não foi assim
e o Rodrigo, um simples bebé, conheceu os
braços dos progenitores que o aguardavam.
Mãe é sempre mãe e pai sabe ou aprende a o
ser.
Marlene recebe 61,00 euros pela
deficiência do seu filho, aquele que o
médico afiançou ser perfeito. Para cuidar
dele que, como se sabe, tem necessidades
especiais, há um complemento de apoio à 3ª
pessoa de 110,00 euros. O médico não sofreu
qualquer tipo de penalização. A mãe é
cuidadora enquanto ele viver. Faz ginástica
com o que tem e continua a amar o seu filho.
David é o pai e Marlene a mãe. Continuam
a viver a sua vida sem que venham gritar
para as redes sociais, a sua revolta e bem
grande que deve ser. Não foram chorar para
os programas dos vários canais de televisão.
Continuam a cuidar do seu filho, o que foi
feito com amor e compreensão. 171,00 euros é
o valor que o estado português entende que
serve para dar qualidade de vida a esta mãe
e a este filho.
Rodrigo é um mistério
para a ciência. As probabilidades de se
manter vivo após o nascimento eram ínfimas.
Continua nos braços de quem o ama, mesmo com
a imensa dor que possam sentir. A perfeição
não existe mas o amor faz milagres, curas
poderosas e cria valências que se
desconheciam. Os pais, pessoas dignas, estão
a resguardar o seu filho, aquele que criou
ainda um maior laço entre eles.
O
amor não pode ser quantificado. Nem a dor.
Contudo existem mínimos e a vergonha de
entregar este valor humilhante a quem tanto
precisa de ajuda, prova como somos todos
iguais, ou seja, números que são calculados
sem se saber onde estão as pessoas. Outros
recebem valores escandalosamente elevados
sem nunca terem dado o mínimo de contributo
ao país. Just saying...
O amor pode
ser uma dor tão profunda e aguda que, mesmo
que continue a doer, ainda consegue estender
os braços e receber em seu seio, o símbolo
da esperança e da felicidade. Afinal o que é
esta coisa da felicidade? Momentos ou restos
de episódios que tiveram o condão de fazer
sorrir. Assim se eterniza a vida.
- n.30 • novembro 2021