Margarida Vale

Os novos medievais

Margarida Vale

O ensino português

O ensino português Estamos chegados a uma época complexa em que milhares de estudantes se interrogam sobre o percurso a seguir. Uns pretendem frequentar a universidade, seguir um curso superior, outros enveredam por anos sabáticos e outros ainda terminam o seu percurso académico. Não defendo a obrigatoriedade do ensino superior, não sou assim tão purista, simplesmente entendo que se deve estudar e aprender. O conhecimento faz falta durante toda a vida e desenganem-se aqueles que pensam que o seu trabalho chegou ao fim. A vida real é uma constante aprendizagem e não dá tréguas àqueles que se vão encostando nas idades tenras. Quanto mais se avança na vida, mais complicado se torna reter novas ideias e conceitos que parecem assustadores.

Hoje em dia existem várias opções para que essa continuidade seja mais fácil, as escolas profissionais, os institutos politécnicos, as universidades e tantas outras situações que permitem uma posição na sociedade, um modo de se ser útil e receber, em troca, os seus dividendos. Os títulos ainda continuam a ser uma mais valia teórica, no entanto sem o tal conhecimento prático de nada servem. São papéis que podem ser colocados nas paredes, sem qualquer tipo de préstimo. Mas já parámos para pensar como tudo começou?

Na Idade Média apenas uma minoria frequentava escolas e a sua maioria destinava-se à vida eclesiástica, logo, foi a igreja a primeira a preocupar-se com a cultura dos seus membros. Assim, nos conventos e junto às sés surgiram as primeiras escolas que asseguravam os rudimentos de leitura e de escrita. Nas escolas claustrais, ensinavam-se as crianças, que eram entregues pela família, aos mosteiros, para serem seguidoras da religião. Aprendiam leitura, caligrafia, canto, música e aritmética. Tudo era ministrado em latim e o ensino funcionava à base da memorização e, posteriormente, discussão. Depois passavam à gramática, através das escrituras e do canto sagrado. Para complementar este estudo, durante as refeições, havia leitura de textos bíblicos, o que justifica o púlpito nos refeitórios. O ensino, curiosamente, era igual para os mosteiros femininos e masculinos.

Após os Concílios de Latrão, nos finais dos século XII e início do século XIII, o clero secular era obrigado a ter escolas junto das catedrais e das colegiadas, onde o clérigo mestre escola, tinha a função de ensinar, examinar, ler, cantar e emendar os livros de estudo, ou seja, compreender. A mais antiga escola episcopal existente no reino pertenceu a Braga que se tornou a mais antiga escola pública. A base do ensino era o latim e os livros estudados eram obras de fundo moralizante e pedagógico, como os Ditos de Catão. A ascensão religiosa efetuava-se através do conhecimento e das letras.

O desenvolvimento das artes liberais permitiu aos melhores alunos frequentarem outros cursos, em universidades estrangeiras e na portuguesa, a partir de finais do século XIII. Estamos aqui perante o embrião do programa Erasmus, ainda numa vertente inicial. Quando se ausentavam para um especialização, num determinado ramo do saber, tinham de se dirigir a Bolonha para o estudo do Direito, Montpellier para a Medicina, Paris para a Teologia e outras cidades idênticas com universidades.

Os portugueses foram de uma importância crucial no ensino universitário. Mestre Vicente foi professor de Direito em Bolonha e um dos braços direitos do rei D. Afonso II, Pedro Hispano, o papa João XXI, foi professor em Montpellier, um dos mais ilustres do seu tempo como médico e filósofo, Álvaro Pais e João das Regras, figuras emblemáticas da II dinastia, a de Aviz e grandes apoiantes de D. João I, foram igualmente mestres em Bolonha.

Os Estudos Gerais foram solicitados ao papa pelo rei e, vários bispos bem como abades portugueses, estavam interessados na sua criação para evitar a saída de dinheiro para o exterior. Em 1290 surgem em Lisboa, os Estudos Gerais, no reinado de D. Dinis, tendo sido posteriormente transferidos para Coimbra. Nessa cidade passam a ter um outro nome, que é Universidade. Ainda hoje o seu nome é prestigiante e encerra em si toda uma longa e vasta tradição estudantil. Claro que os tempos mudam mas Coimbra tem mais encanto, na hora da despedida, conforme tange a canção.

Esta primeira universidade não teve um início muito agradável. Aliado à ausência,muita, de rendimentos, juntava-se um corpo docente pouco credível, sendo que a sua maioria eram estrangeiros, o que levou à saída de alguns alunos para as escolas fora do reino. De início ministravam-se aulas de Cânones, Direito Canónico, Leis, Direito Romano, Medicina, Gramática, Dialéctica e Artes, em geral. Acrescentou-se Música, Filosofia e Teologia. A língua não deixava de ser o latim, escrito e falado, tendo por base os textos de Aristóteles, Galeno e Hipócrates.

A universidade concedia os graus de Bacharel, com três anos de aproveitamento, de Licenciado, de sete a nove anos de estudo, de Mestre e Doutor, que ultrapassavam os já referidos nove anos. O curso mais longo era o de Teologia que exigia oito/nove anos para o Bacharelato e o mais curto era o de Artes, cuja licenciatura exigia somente de cinco a seis anos. Hoje em dia estes graus estão completamente fora do contexto mas o certo é que o ensino era bem diferente.

A questão que se coloca agora é outra. Consideram a vossa vida escolar difícil e extensa? Pois é altura de reconsiderarem tudo aquilo que pensam. Hoje não se aprende em latim, aprende-se na língua materna, o que para muitos ainda é ainda mais complicado e os graus académicos são cada vez mais curtos, em termos de anos de estudo. Conseguem imaginar como seria a vida destes estudantes?

Que oferta temos hoje? Existem dois sistemas de ensino superior em Portugal: universitário e politécnico cujas instituições podem ser públicas ou privadas. O sistema clássico, universitário, fornece a chamada formação académica para o desenvolvimento de atividades profissionais e incentiva a pesquisa e a análise crítica. Já o politécnico tende para a formação técnica que visa desenvolver as capacidades mais práticas e imediatas.

Neste momento a classificação está feita em ciclos, sendo que o primeiro ciclo é o correspondente a uma licenciatura, que pode durar entre três a quatro anos, o segundo ciclo, conhecido como mestrado e ainda o terceiro ciclo que é o chamado doutoramento. Alguns cursos implicam o seu seguimento, ou seja, têm o mestrado como sequência e outros apenas se ficam pela licenciatura. O doutoramento implica outro tipo de estratégia que exige dedicação e muito tempo de pesquisa.

Para se aceder ao ensino superior estatal, há que ter em conta o Numerus Clausus, ou seja, um número específico de vagas por instituição e curso. Nesses critérios estão ainda incluídos a nota mínima de acesso bem como certos requisitos. O mesmo não se aplica no ensino privado apesar de este ter outro tipo de regras. Existem pelo menos duas datas para candidaturas ao ensino superior, a primeira e a segunda fase mas, atendendo aos tempos que se têm vivido ultimamente, nestes dois últimos anos, não existe alteração em qualquer uma delas.

Na verdade, estes dois últimos anos letivos foram bem atípicos e o nível de conhecimento dos alunos pode ter ficado degradado. O que se necessita é de bons profissionais e para isso há que haver vontade de ensinar e de aprender. A sociedade vai precisar de todo o tipo de pessoas para continuar a funcionar e não são só os licenciados que a conseguem governar. Empola-se o ensino superior e esquece-se o ensino técnico e prático. Sem ele nada pode estar oleado e a roda pára sem forma de continuar.

É preciso que se valorizem todas as profissões, nomeadamente as de trabalho braçal, e não apenas aqueles em que o intelecto dê o seu melhor. Qualquer sociedade funciona em cadeia e se um dos elos se quebra a regularidade deixa de ficar assegurada. Os cursos profissionais são da maior importância para que a colaboração de todos seja preciosa. O país precisa de força de trabalho e de vontade de assegurar a sua evolução. O conhecimento não ocupa lugar e a vida ensina que nunca se pára de aprender.