Santiago Aguaded Landero

Poemas ibéricos

Santiago Aguaded Landero

Poemas ibéricos (12) MARIO LOURTAU

O POEMA Rinoceronte de Durero, de Mario Lourtau, pertence ao livro “O olhar do condor”, publicado por De la luna libros (Mérida, 2012) na coleção de livros de poesia Luna de poniente. O poema forma parte deste moderno animalario na sua secção Álbum de Zoologia. Os seus versos surgem como entrada a esta segunda parte do poemário, onde o reino animal ganha espaço entre as diferentes emoções que podem surgir através da contemplação destes seres selváticos. Rinoceronte de Durero, longe de ficar-se por um mero retrato da nobreza e beleza deste animal, submerge-se na intra-história europeia, olhando 5 século atrás, quando pela primeira vez se pode observar este paquiderme no velho continente. As desiguais viagens que teve de afrontar um animal de tal tamanho (chegou a ser comparado com um ser lendário) contrastam com o impacto social que produziu, maravilhando as cortes europeias e todos aqueles que puderam contemplá-lo. Ganda, como assim se chamava o paquiderme, passou por diferentes mãos até chegar a formar parte da corte de D. Manuel I de Portugal, que mais tarde o obsequiaria ao pontificado. As viagens de Ganda marcaram também as artes na Europa. D. Manuel I, que deu nome ao estilo arquitetónico manuelino, variante portuguesa do estilo gótico final, mais tarde com incorporações renascentistas, foi exemplo disso. A Torre de Belém, em Lisboa, construída por Francisco de Arruda e Diogo de Boitaca entre 1515 e 1519, é considerada como um dos monumentos mais belos e representativos deste estilo, neste caso uma variante do gótico e do luso-mourisco. Num dos lados da Torre de Belém, encontra-se a gárgula do rinoceronte, ao qual o poema faz referência.  

RINOCERONTE DE DURERO

Han pasado ya siglos desde entonces, casi
quinientos años. Ganda, enorme paquidermo,
llegó desde la India a tierras lusas como un ser legendario,
apenas contemplado en la vieja Europa. Agasajo
del Sultán para Alfonso de Alburquerque,
pasó más tarde a manos del rey Manuel I,
que mostró su anatomía de bestia imaginaria
a extraños y curiosos. Antes de ofrecer a la criatura
al Papa León X, el rey quiso enfrentarlo
con un joven elefante, mas fue en vano la afrenta.
Viajó al Pontificado haciendo escalas,
fue expuesto, y admirando por Francisco I;
vivió sus días de gloria y desconcierto
igual que un gran actor perdido por la fama.
Su buque no alcanzó jamás la costa.
Murió terriblemente, encadenado,
bajo el glaciar furtivo de las olas,
en esa selva espesa de algas y salitre
donde se hunden con la vida los seres prodigiosos.
Sucumbió bajo el mar, mas su cadáver
llegó hasta el Vaticano embalsamado.
La Historia guarda un hueco para Ganda
en el libro singular de los obituarios:
En la torre lisboeta de Belém,
asomada a la belleza de sus muros,
la gárgola del rinoceronte respira sobre el mar.

Alberto Durero, sin ver a la criatura,
realizó el primer grabado de su estampa:
poco fiel al animal, repleto de defectos;
mas hermoso al fin y al cabo por su historia.

RINOCERONTE DE DÜRER

Passaram-se séculos desde então, quase
quinhentos anos. Ganda, o enorme paquiderme,
chegou da Índia a terras portuguesas como um ser lendário,
dificilmente contemplado na velha Europa.
Uma festa do Sultão para Afonso de Albuquerque,
passou mais tarde para as mãos do Rei D. Manuel I
que mostrou a sua anatomia de besta imaginária
a estranhos e curiosos. Antes de oferecer a criatura
ao Papa Leão X, o Rei quis confrontá-lo
com um elefante, mas foi em vão a afronta.
Viajou para o Pontificado, fazendo escalas,
foi exposto e admirado por Francisco I;
viveu os seus dias de glória e desconcerto
tal qual um grande actor perdido pela fama.
O seu navio nunca alcançou a costa.
Morreu terrivelmente, acorrentado,
debaixo do glaciar furtivo das ondas,
nessa selva espessa de algas e salitre,
onde se fundem com a vida os seres prodigiosos.
Sucumbiu debaixo do mar, mas o seu cadáver
chegou até ao Vaticano embalsamado.
A história guarda um lugar para Ganda,
no livro singular dos obituários:
na Torre de Belém,
assomada à beleza dos seus muros,
a gárgula do rinoceronte respira sobre o mar.

Albrecht Dürer, sem ver a criatura,
fez a primeira gravura da sua estampa:
não muito fiel ao animal, cheio de defeitos,
mas belo ao fim e ao cabo, pela sua história.

Tradução para português: Neuzâ Tomé
Nota biográfica do autor: https://www.aeex.es/autores/lourtau-mario/