Paulo Cunha

Musique-se

Paulo Cunha

A música salva!

Tornou-se quase um lugar-comum ouvir e ler que a música salva. São cada vez mais os relatos partilhados pelos consumidores de música, referindo a importância da música nas suas vidas. E o que dizer da quantidade de músicos que referem o papel salvador da música? Desde David Byrne, passando por Milton Nascimento e acabando em James Hetfield (Metallica), são imensos os relatos dos seus obreiros, afirmando qua a música os salvou.

No seu livro “Apologia, A República, Livro III”, Platão referia que “A formação musical é um instrumento mais potente do que qualquer outro, porque o ritmo e a harmonia encontram o caminho para dentro da alma, em que poderosamente se prendem, dando graça e tornando graciosa a alma daquele que é corretamente educado.”

A música está tão presente nas nossas vidas que talvez seja difícil imaginar como seria o mundo se ela não existisse. Para além dos concertos, audições e saraus, existe música em quase todos os momentos de convívio social (igrejas, bares, ruas, shoppings, feiras, reuniões familiares, etc.), bem como no isolamento do lar, do carro e de outras situações quotidianas.

A ideia de que a música afeta a saúde e o bem-estar das pessoas foi defendida por Aristóteles e Platão. Somente na segunda metade do século XX, alguns médicos conseguiram estabelecer uma relação entre a música e a recuperação dos seus pacientes, tendo, no final da Segunda Guerra Mundial, sido chamados músicos para tocar em hospitais, como forma de auxiliar o tratamento dos feridos. Como a experiência surtiu resultados positivos, as autoridades médicas dos Estados Unidos da América decidiram habilitar profissionais para utilizar criteriosa e cientificamente a música como terapia. O primeiro curso de musicoterapia foi criado em 1944, na Universidade Estadual de Michigan.

Segundo um artigo publicado no jornal “Critical Care Medicine”, parece existir uma resposta fisiológica efetiva à música por parte de enfermos intervencionados cirurgicamente. Ouvir Mozart surtiu maior efeito sedativo do que alguns fármacos. Verificou-se uma diminuição da pressão sanguínea e dos batimentos cardíacos, a par de uma menor necessidade de recorrer a analgésicos e de uma descida dos níveis de algumas hormonas relacionadas com o stress.

O efeito terapêutico da música, porém, vai muito além do aspeto tranquilizante duma sonata de Bach ou duma sinfonia de Beethoven. Estudos garantem que a música potencializa a reabilitação de pacientes em casos de doenças degenerativas do cérebro, como Parkinson e Alzheimer, melhora a coordenação motora de deficientes físicos e induz a liberação de certas substâncias, como a dopamina e a serotonina, que proporcionam sensação de prazer e bem-estar.

Quem não se emocionou já ouvindo uma certa música? Ou se lembrou de alguém especial ao cantarolar algumas notas? Os sons marcam momentos, trazem memórias e podem deixar-nos tristes, alegres, irritados ou alerta. É o que nos mostra a musicoterapia, ao procurar potenciar e restaurar a saúde do indivíduo através da prevenção, tratamento e reabilitação. 

Desde um consultório repleto de temas musicais, onde o paciente expressa os seus sentimentos, até uma cama de hospital, independentemente do "palco", a musicoterapia consiste na qualificada, programada e devida utilização dos elementos e qualidades musicais. Além dos objetivos terapêuticos pretendidos, os processos usados facilitam a comunicação, o relacionamento e a aprendizagem, atingindo assim as áreas mentais, físicas, sociais e cognitivas.

A prática musical potencia o desenvolvimento cognitivo, a atenção, a memória, a agilidade motora, assim como cria uma experiência unificadora entre a linguagem, a música e o movimento. Pitágoras dava à terapia pela música o nome de purificação. A sua música curativa propunha-se a equilibrar as quatro funções básicas do ser humano: “Pensar, sentir, perceber e intuir”.

A música serve de terapia para todas as idades. Contribui para o bem-estar geral do organismo e para a saúde plena do indivíduo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) formulou em 1946 a seguinte definição de saúde: “A saúde é um estado de total bem-estar físico, psíquico e social e não apenas a ausência de doenças ou debilidade. Dispor da melhor saúde possível é um direito de todo o homem, independentemente da raça, religião, convicção política ou situação económica e social”. É esse também um dos papéis da música: fazer aumentar a autoestima, a memória, a coordenação motora e a integração do indivíduo na sociedade, colaborando assim para uma formação e informação organizada, harmoniosa e saudável.

Ouvir música é saudável para toda a gente. Alivia tensões, ajuda a refletir, transporta-nos para cenários de prazer, cura-nos. Cantar pode até não espantar os males, como apregoa a sabedoria popular, mas a utilização de sons, ritmos, melodias e harmonias ajuda a restabelecer a saúde de alguns pacientes. É o que garantem médicos das mais diferentes especialidades, que utilizam a musicoterapia como recurso terapêutico no tratamento multidisciplinar de inúmeras doenças. Assim sendo, do que é que estão à espera? Ouçam e/ou façam música!