Musique-se
Paulo Cunha
Música “very typical”
- Partilhar 02/05/2021
Haverá maior colonização de um povo do que a que é promovida pela apropriação, assimilação e disseminação de culturas alheias em detrimento da nossa?
Atente-se no
exemplo que dou quando explico (em tom
de graça) o baile mandado algarvio aos
meus alunos: “Sabiam que o
R.A.P.
foi inventado no Algarve há mais de um
século? Pois... Nos anos 60, um
americano que cá estava a passar férias
gostou tanto do baile mandado que levou
a ideia para os E.U.A. Como é um
país enorme, o conceito de preencher a
harmonia da música com o ritmo das
palavras ditas, em menos de nada,
transformou-se em
Rhyme And Poetry
e assim conquistou o mundo. Vejam lá!?”
E não é que a
partir desta (inocente) mentira, eles
começam a olhar para o folclore algarvio
doutra forma?!
É claro que é
triste ter de ir buscar exemplos ao
estrangeiro para que os portugueses
conheçam o seu património e assim o
legitimem e valorizem. Não sendo nada a
que já não estejamos habituados, na
cultura e noutras áreas, confrange
observar o desinteresse a que algumas
franjas da cultura musical portuguesa
são votadas, relegando-as a um
esquecimento e abandono imerecidos.
Não sendo contra
a globalização cultural, antes pelo
contrário, reconheço que é no poderio
económico que, em grande parte, reside o
segredo para colonizar musicalmente um
povo. Cada vez mais, os media, as
plataformas digitais de comunicação e as
redes sociais têm vindo a ter um papel
preponderante na entrada das “músicas de
sempre” nas nossas casas.
É inegável
considerar que com a disseminação da
oferta musical proporcionada pelas novas
tecnologias aumenta o conhecimento de
outras culturas, o que é enriquecedor,
mas de que interessa se, por falta de
interesse e de investimento no ensino e
na divulgação do nosso património
identitário, os mais novos não conhecem
o que é genuinamente seu?
Não deixa de ser
paradigmático o que os turistas
estrangeiros referem sobre a nossa
música, classificando-a como muito rica,
bela e “very typical”, quando, ao mesmo
tempo, a mesma é tratada com desdém e
indiferença por quem tem o dever de a
promover e divulgar, dentro e fora de
portas.
Não, não é necessário mascarar nem travestir a música das nossas regiões, transformando-a naquilo que não é para assim chegar mais longe e a mais gente. Deem-lhe apenas a importância que lhe é devida e verão as marcas que a nossa história deixou no nosso património musical. Basta descobri-lo!
- n.24 • maio 2021