Margarida Vale

Os novos medievais

Margarida Vale


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Feliz Aniversário

Passa um ano sobre a data em que o nosso país parou. As escolas encerraram, as pessoas foram enviadas para casa, o trabalho passou a ser feito de forma diferente e aquilo que se pensava, na santa ingenuidade de alguns, ser uns dias, passou a 365 deles, um ano redondo que veio alterar tudo. E continua.

Os alunos, como se esperava, passaram todos de ano e alguns com notas maravilhosas e milagrosas, os exames nacionais, esse tão extraordinário êxito, vai ser repetido este ano letivo, o saber deixou de fazer sentido e dá-se a primazia ao que não importa. Os alunos que estudam ficam equiparados aos preguiçosos, uma maravilha como se entende. O mesmo se aplica do outro lado, com o outro grupo, o dos professores: uns esforçam-se e outros nem por isso.

Muitas pessoas perderam os seus postos de trabalho e a miséria bate à porta de muitos, só que ainda é envergonhada. Proíbem-se as pessoas de trabalhar, as que ainda podem, esquecem-se os mais novos que precisam de crescer e brincar, os adolescentes passam a ser bonecos neste xadrez e as consultas nos hospitais deram uma volta tão grande que desapareceram ou então são feitas através de um aparelho, o telefone.

Nunca mais se morreu de velhice, de gripes, de pneumonias nem de outras doenças fatais, pois uma nova doença tomou a dianteira e usurpou os lugares cimeiros. Espalhou-se o medo e o pânico e as trevas desceram sobre a terra fazendo acordar os fantasmas tão adormecidos da denúncia e da delação. A nova Idade Média, com os seus novos medievais, chegou para ficar.

Colocam-se máscaras nas pessoas para não se lerem as expressões, encerram-se as pessoas em casa, tratam-nas como se fossem uns atrasados que precisam da mão para atravessar a rua e começam a fazer-se as divisões: uns de cara tapada e os outros com ela à vista para que provem que nada têm a esconder.

Acenam-se com as cenouras de apoios sociais que não existem ou que tardam em chegar ou são ridiculamente humilhantes mas, quando não há pão, todos ralham e ninguém tem razão. A melhor arma é a ignorância e quando menos o povo souber mais fácil é de ser manobrado. Mesmo que se tente explicar, a falta de bom senso fala com voz grossa e convence quem não sabe.

Criou-se o mito de “Vamos ficar todos bem” mas a verdade é que estamos bem mal, com gentes que mostram o seu pior, que afinal não sabem amar mas sim odiar e o egoísmo e a raiva, são os motes que arrastam milhares mas sua onda. Cortam-se os laços sociais e soltam-se as incertezas e desconfianças, matéria prima para as tormentas que se enfrentam em grande escala.

Sobreviver passa a ser a palavra de ordem e não importa o custo. Por mais elevado que seja o preço, não se olham a meios para atingir os fins. Engana-se, empurra-se, rouba-se e afinal está tudo bem, que o povo é sereno e afinal é tudo fumaça. Enquanto houver dinheiro para pagar a quem não tem preocupações, a vida irá fluir. Os outros, enfim... os outros que façam pela vida que os bem instalados não querem saber.

Chega a guerra das vacinas, dos laboratórios a faturarem que nem uns doidos, com preços que ninguém sabe e com informações que não batem certo. As vacinas precisam de tempo para serem testadas, para obter os resultados certos sem margem de erro e onde a eficácia seja a palavra que reine. A luta entre os ditos é aguerrida e o que se sabe não é do agrado geral. As notícias não batem certo e suspendem-se as tais vacinas, mas afinal não era nada e continua tudo na mesma. 

Criam-se grupos para receber as tão desejadas vacinas, as poções milagrosas que vão ser o talismã que irá acompanhar quem as quiser ou puder receber. Criam-nos novas e inúteis divisões. Uns são mais importantes do que os outros e ainda existe um outro grupo, o dos que estão sempre primeiro do que os primeiros, assim uma espécie de escolhidos que terá a bênção perfeita. Esses têm o futuro assegurado. É a glória que é atingida. 

Os mais velhos continuam assustados, com medo até de respirar e a palavra morte, aquela que esconderam de tantos durante anos, passa a ser a mais dita e divulgada, tal como a doença que quer ser mediática e trazer à ribalta os que são infetados com o tal vírus. Os testes são feitos às três pancadas e nada está dentro dos parâmetros a não ser a má vontade e a falta de educação. Essa conjugação está perfeita e funciona autonomamente. 

Outros estão tão encolhidos que não sabem como será o dia de hoje e muito menos o de amanhã. A luta é diária. Perderam o que tinham e ainda podem ter a esperança de que um dia recuperem o que foi seu. Contudo há os que sabem que nada voltará a ser como era e que a escuridão ainda vai persistir durante muito tempo. Esses estão bem conscientes da realidade mas outros há que continuam a tapar o sol com a peneira.

Esquecem-se de que tudo pode mudar e quando houver lutas por batatas e pão, o povo sabe mostrar que não tem qualquer tipo de educação educação, que não quer saber, que é capaz de qualquer coisa para se manter. Ficar à tona com elegância deixa de ser possível e a guerra, que já começou, há muito, em modo de suavidade, passa a violência da grossa e com consequências bem graves. 

Os constantes Estados de Emergência são assassinatos de muitos. Os pequenos negócios não têm capacidade para sobreviver a este abre e fecha e a tantas e tão díspares restrições. As pessoas querem trabalhar, serem cidadãos úteis à sociedade e não querem ser tratados como se fossem pedintes ou crianças que precisam de quem lhes dê a mão. A economia tem que funcionar e não se pode matar um país em nome de sabe-se lá o quê. Há que saber enfrentar as dificuldades. 

O futuro é hoje e agora. Quem é que ainda não percebeu? Se não se tomarem as devidas medidas e providências, a escuridão irá manter-se e tudo o que se conhecia antes, passará a histórico e entra no mundo estranho das quimeras e das utopias. Uns percebem e outros insistem, uns querem e outros não e a vida escoa-se como se fosse água que não mata a sede mas sim a humanidade.

Felizmente que a Primavera chega com os seus sons e tons, com as tonalidades de pastel que a todos encanta. Ver é delicioso, sentir é maravilhoso e viver é único!