Myriam Jubilot de Carvalho

Por Ondas do Mar de Vigo

Myriam Jubilot de Carvalho

As três estranhas

 

Vou a descer a Avenida da Liberdade, vou com o meu pai e o meu irmão. As árvores avolumam-se de um lado e outro, os prédios erguem-se altos, cor-de-rosa, sem brilho. Uma rapariga vem ter comigo. Está perdida. Saiu do hospício, não sabe quem é. Pede ajuda, mas não tem documentos com ela. Apenas um talão de uma compra qualquer, sem indicação de qual a loja ou supermercado, sem data, sem endereço, sem preço algum... Pergunto-lhe:
– Mas o teu pai? Tu não tens pai?!
Mas ela não conhece o pai. Não sabe da mãe. Não conhece ninguém, não fala, apenas abana com a cabeça e agarra-me as mãos, quer ajuda, implora por ajuda, que a leve a casa, pois não sabe quem é nem onde está.
Deixo-a acompanhar-me, enquanto pergunto a mim própria como resolver a complicada situação.
Uns passos mais à frente, uma menina, escanzelada, semi-nua. Está perdida. Pede ajuda. Não consegue falar, mas eu percebo muito bem que me pede que a leve a casa pois não sabe onde está, não sabe onde fica a casa, não sabe o nome, não conhece a cidade.
Pergunto-lhe:
– Tens frio? Tens fome?
Sim, tem frio, muito frio, está roxa de frio. E tem fome. Tem muita fome.
Pergunto-lhe:
– E o teu pai? Não tens pai?
Mas a garota não sabe quem é o pai, não sabe da mãe, não conhece ninguém, não fala, apenas abana com a cabeça e agarra-me as mãos, quer ajuda, implora por ajuda, que a leve a casa, pois não sabe quem é nem onde está.
Avanço uns passos, com as duas estranhas ao meu lado, agarradas aos meus braços. O meu pai e o meu irmão, deixei-os para trás, aquilo não lhes diz respeito.
Digo comigo: Tenho que ir à Polícia, entrego-as lá. Não posso resolver isto. No entanto, elas ouvem os meus pensamentos, e imploram ambas que não querem a Polícia, a Polícia não tem soluções, querem-me a mim!
E eu pergunto-me: trago-as para casa? e como é que as alimento? como é que elas me irão tratar a mim?!
Subimos umas escadinhas, à direita, encostadas à parede. Umas escadinhas de degraus de ladrilho entre os muretes caiados de branco que as amparam. Como as que na antiga casa da minha infância levavam à varanda donde se avistava o mar e a Ilha cuja praia fazia as minhas delícias e onde era livre, no verão.
E elas sempre, cada vez mais agarradas a mim, olhando-me ansiosamente... E eu já não sabia se eram elas que não sabiam quem eram, ou se era eu própria à procura de mim...