José Maria de Oliveira

Letras e Traços

José Maria de Oliveira

O SAPO COM CORAÇÃO DE CRISTAL

Há muito que não o via… hoje, contudo, à hora da sesta, passava eu pelas brasas, aqui num prado próximo e cruzei-me com ele: como sempre a pele engelhada e viscosa cobria-lhe toda a sua existência real e, não fosse aquele imenso par de olhos luminosos, dir-se-ia que se tratava dum velho trapo abandonado ao vento.

Já tinha saudades de o ver, (há quem tenha saudades de sapos). De longe, vieram-me à memória velhas histórias que dele se contavam e talvez a mais deliciosa foi a do seu encontro, fortuito, com uma jovem rã, esbelta, disponível, sem charco certo, e para quem os girinos embaraçosos ainda não constituíam problema.

Procurava a fonte do amor, lugar semi-encantado onde dizem, os “sapólogos” (estudantes dos sapos) que os batráquios são felizes... histórias! Contudo a bela rã acercou-se dele como a pedir informação; tímida, deixou, sem querer, que o seu olhar escorregasse para dentro do olhar profundo dele e… estremeceu! deliciosamente, deixou-se envolver nesse mergulho abissal, donde por vezes não há regresso. Todas as coisas lhe pareceram belas, límpidas e serenas como se tivessem acabado de nascer naquele momento. Um imenso oásis estendeu-se à sua frente, com pequenos, coloridos e suculentos insectos brincando naquelas águas tranquilas, cheias de calor, doçura e serenidade... apetecia-lhe adormecer, deixar-se levar naquele imenso rio de luz, música e encantamento.

Nunca sonhara que os sapos fossem assim… por dentro!
Passaram-se horas, dias, quem sabe ao certo, como que encantada; e vendo naquele profundo olhar de diamante, a fonte do amor, a rã perdeu a noção do tempo, do seu tempo, do seu espaço; o velho sapo mal se mexia, virou os doces olhos para a luz de modo que os raios do Sol, que o aquecia interiormente, iluminassem, reflexamente, com profunda doçura aquela gentil rãzinha, que por ali passar, inopinadamente, sem charco certo. Ciosa de se prender àquele encantamento sem, contudo, o saber fazer e bastava, tão só, que o seu olhar reflectisse um pouco o profundo interior do sapo que lhe trouxera uma nova luz.

Depois, talvez por necessidade, daquelas que só os grandes sapos têm, o austero (e astuto) batráquio, resfolgou para os ares, semicerrou os olhos suculentos e partiu de novo ensolarado no seu enorme coração de cristal que as crianças, em noites de luar, iam espreitar ao pântano tal era a magia caleidoscópica do brilho que irradiava.
Dizem que os pirilampos se costumavam mirar nos seus olhos para recarregar as luminárias.

Observou-me de soslaio e como se me conhecesse, não sei de onde, esboçou um sorriso rasgado com a sua enorme bocarra e partiu. Fiquei a olhá-lo, à distância, ciente que por mim passa um rasto do paraíso ou quem sabe um pedacinho de Deus, disfarçado, como sempre de “coisa feia”.