à Deriva
Fernando Vieira
Venha de lá esse voto!
- Partilhar 06-09-2021
… E lá voltamos nós à
rotina das passeatas, por cidades, vilas e
aldeias, dos candidatos às Eleições
Autárquicas e suas comitivas de apaniguados,
distribuindo bonés, lapiseiras, bandeirolas,
porta-chaves, autocolantes e outras
gentilezas que tais, na pedincha daquele
votozinho que tanto jeito lhes vai dar. De
quatro em quatro anos, é assim.
Pelos 16 concelhos da
região algarvia, como em todo o país, sai à
rua a política de proximidade, como lhe
chamam, e que mais não é do que gente com
ares de importante que, por norma, mal nos
cumprimenta ou nos dedica um desprezo em
toda a linha, querendo (apenas por estes
dias) abraçar-nos e beijar-nos efusivamente,
perguntando como está a família e prometendo
um futuro risonho a troco do nosso voto.
Este ano, a título excecional, tais gestos
de carinho ‘sincero’ ficam tolhidos pelo
receio desse tal vírus que nos anda a
afetar. Ao menos, uma serventia lhe
reconheçamos…
Para além dessa
novidade no trato, mais formal, poucas
outras se me afiguram no quadro das listas
apresentadas ao sufrágio de 26 de setembro,
entre partidos e coligações, de barlavento a
sotavento.
Na verdade, o que
mais temos são candidatos que já exerceram a
presidência num concelho e que se apresentam
a outro, simplesmente por terem esgotado o
‘plafond’ de mandatos, ou os que foram
eleitos por uma sigla partidária, deram
força de maioria absoluta a uma outra
sensibilidade política adversária e agora
surgem sob novo invólucro, quais camaleões
pugnando sempre, sempre, sempre pelo
bem-estar do povo que juram representar. Há
mesmo aqueles que, tendo exercido em tempos
que já lá vão cargos de elevadíssima
responsabilidade autárquica em nome de um
determinado partido, num ápice redesenharam
as suas convicções de alto a baixo e agora
concorrem prestigiando (?) projetos que há
meia dúzia de anos afirmavam – alto e bom
som – abominar. Nada, portanto, que nos
surpreenda.
Afinal de contas,
quando falamos de eleições autárquicas
estamos falando de pessoas, certo?
Mais do que nos
símbolos partidários, são nelas que os
eleitores (também pessoas…) depositam o seu
voto, muito por conta da empatia que possam
nutrir pelo cabeça de lista e sua equipa, e
não tanto em programas superficialmente
divulgados e raramente discutidos.
Acompanhando à
distância as Autárquicas desde 1976, tenho
cá para mim que os perdedores de hoje
deveriam trabalhar logo a partir de amanhã
por um resultado melhor daqui a quatro anos.
Mas, como sabemos, isso não se verifica.
Pelo contrário, só a escassos meses das
eleições é que se começam a mobilizar, como
se, entretanto, estivessem em hibernação
política...
Se dá trabalho manter
uma atividade cívica ao longo de mais de
1400 dias? Acredito que dê. Mas, por outro
lado, tenho a certeza que esse esforço
profícuo e persistente dará frutos aos mais
empenhados e sérios. Conheço casos assim, as
chamadas honrosas exceções.
Para aqueles que
encaram as campanhas autárquicas como uma
obrigação que tem que ser cumprida de quatro
em quatro anos, à luz das estratégias
partidárias a que se encontram obrigados,
até é preferível que não obtenham especial
relevância, a bem da sua estabilidade
familiar e profissional, de que lá no fundo
não querem abdicar. Esses estarão de volta
em 2025, para mais uma feira de ilusões.
Entretanto, com
algumas polémicas e ataques fulanizados a
temperar o cenário (privilegiadamente nas
redes sociais), lá vai decorrendo a campanha
para as Autárquicas 2021, na qual se vem
demonstrando como ética, deontologia,
coerência, humildade, bom senso,
honestidade, desapego, idealismo, dignidade
ou independência são ingredientes que certos
candidatos não possuem de todo… até porque
não se encontram à venda na farmácia.
- n.28 • setembro 2021