Fernando Vieira

à Deriva

Fernando Vieira

Venha de lá esse voto!

… E lá voltamos nós à rotina das passeatas, por cidades, vilas e aldeias, dos candidatos às Eleições Autárquicas e suas comitivas de apaniguados, distribuindo bonés, lapiseiras, bandeirolas, porta-chaves, autocolantes e outras gentilezas que tais, na pedincha daquele votozinho que tanto jeito lhes vai dar. De quatro em quatro anos, é assim.

Pelos 16 concelhos da região algarvia, como em todo o país, sai à rua a política de proximidade, como lhe chamam, e que mais não é do que gente com ares de importante que, por norma, mal nos cumprimenta ou nos dedica um desprezo em toda a linha, querendo (apenas por estes dias) abraçar-nos e beijar-nos efusivamente, perguntando como está a família e prometendo um futuro risonho a troco do nosso voto. Este ano, a título excecional, tais gestos de carinho ‘sincero’ ficam tolhidos pelo receio desse tal vírus que nos anda a afetar. Ao menos, uma serventia lhe reconheçamos…

Para além dessa novidade no trato, mais formal, poucas outras se me afiguram no quadro das listas apresentadas ao sufrágio de 26 de setembro, entre partidos e coligações, de barlavento a sotavento.

Na verdade, o que mais temos são candidatos que já exerceram a presidência num concelho e que se apresentam a outro, simplesmente por terem esgotado o ‘plafond’ de mandatos, ou os que foram eleitos por uma sigla partidária, deram força de maioria absoluta a uma outra sensibilidade política adversária e agora surgem sob novo invólucro, quais camaleões pugnando sempre, sempre, sempre pelo bem-estar do povo que juram representar. Há mesmo aqueles que, tendo exercido em tempos que já lá vão cargos de elevadíssima responsabilidade autárquica em nome de um determinado partido, num ápice redesenharam as suas convicções de alto a baixo e agora concorrem prestigiando (?) projetos que há meia dúzia de anos afirmavam – alto e bom som – abominar. Nada, portanto, que nos surpreenda.

Afinal de contas, quando falamos de eleições autárquicas estamos falando de pessoas, certo?

Mais do que nos símbolos partidários, são nelas que os eleitores (também pessoas…) depositam o seu voto, muito por conta da empatia que possam nutrir pelo cabeça de lista e sua equipa, e não tanto em programas superficialmente divulgados e raramente discutidos.

Acompanhando à distância as Autárquicas desde 1976, tenho cá para mim que os perdedores de hoje deveriam trabalhar logo a partir de amanhã por um resultado melhor daqui a quatro anos. Mas, como sabemos, isso não se verifica. Pelo contrário, só a escassos meses das eleições é que se começam a mobilizar, como se, entretanto, estivessem em hibernação política...

Se dá trabalho manter uma atividade cívica ao longo de mais de 1400 dias? Acredito que dê. Mas, por outro lado, tenho a certeza que esse esforço profícuo e persistente dará frutos aos mais empenhados e sérios. Conheço casos assim, as chamadas honrosas exceções.

Para aqueles que encaram as campanhas autárquicas como uma obrigação que tem que ser cumprida de quatro em quatro anos, à luz das estratégias partidárias a que se encontram obrigados, até é preferível que não obtenham especial relevância, a bem da sua estabilidade familiar e profissional, de que lá no fundo não querem abdicar. Esses estarão de volta em 2025, para mais uma feira de ilusões.

Entretanto, com algumas polémicas e ataques fulanizados a temperar o cenário (privilegiadamente nas redes sociais), lá vai decorrendo a campanha para as Autárquicas 2021, na qual se vem demonstrando como ética, deontologia, coerência, humildade, bom senso, honestidade, desapego, idealismo, dignidade ou independência são ingredientes que certos candidatos não possuem de todo… até porque não se encontram à venda na farmácia.

>