à Deriva
Fernando Vieira
Tânger, Portimão, Lisboa e Madrid
- Partilhar 04-07-2021
Num momento em que se
volta a ouvir a sirene de alarme face ao
recrudescimento galopante da estirpe Delta
da Covid-19, e quando as expetativas da
economia algarvia, direta e indiretamente
ligada ao turismo, baixam consideravelmente
pelo fecho de portas dos seus principais
mercados fornecedores, eis que há quem
vislumbre uma luz ao fundo do túnel na forma
da ligação marítima (diária!...) entre
Tânger e Portimão.
Grandes entusiastas
da medida, os marroquinos não se têm poupado
a esforços nas últimas semanas para
desbloquear o aparente impasse que o Governo
português está a protagonizar, ao que tudo
indica para não melindrar os interesses dos
nossos vizinhos espanhóis caso a rota em
causa saia do papel.
Se assim for – e tudo
indica que é – fica a questão: caso os
protagonistas mudassem de posição, ou seja,
os espanhóis a prejudicar negócios
portugueses, vocês acham que Madrid não
assobiaria cinicamente para o lado? Exemplos
abundam sobre o ponto de vista de ‘nuestros
hermanos’ relativamente ao nosso jardinzinho
à beira-mar plantado…
Seja como for, fontes
geralmente bem informadas garantem-me que
Rabat tem pressa para garantir a rota
Tânger-Portimão, como forma de não depender
em exclusivo dos caprichos espanhóis, mas
está a perder a paciência pelo extremo
cuidado com que Lisboa administra o
processo.
Em cima da mesa está
a realização de duas viagens diárias entre o
Norte de África e o Algarve, movimentando
cerca de quatro mil pessoas por dia,
sobretudo a comunidade emigrante magrebina.
No cerne da questão
residem profundas divergências
político-económico-religiosas entre Marrocos
e Espanha, que geraram uma crise diplomática
tendo Ceuta como pano de fundo. Mas isso a
nós, portugueses, pouco ou nada importará,
pois se o que Rabat quer são alternativas,
então que as proporcionemos, com os
benefícios que daí advirão. E não me parecem
poucos…
Temos em perspetiva
todo um novo mercado, até turístico, uma vez
que as famílias marroquinas de classe média
alta, com um apreciável poder de compra,
passariam a frequentar a excelente oferta
algarvia, que desconhecem totalmente, apesar
de comungarmos de muitos laços culturais,
inspiradores da paisagem urbana e dos
hábitos gastronómicos algarvios, que
certamente lhes serão familiares.
Portanto, e salvo
opinião contrária, esta é uma oportunidade
de ouro, que poderá – e deverá – anteceder
outras, caso sejamos legitimamente
ambiciosos e tenhamos em perspetiva que o
Porto de Cruzeiros de Portimão se assume
como uma privilegiada porta de saída e
entrada para o Mediterrâneo, tanto mais que
a rede atualmente a ser tecida por Rabat
inclui o porto francês de Marselha e o
italiano de Génova, entre outros
ancoradouros de renome.
Conseguem imaginar
Portimão e o Algarve envolvidos nesta teia
marítima? A verificar-se, e até ver, isto
soa-me a música tocada por anjo em harpa.
- n.26 • julho 2021