Fábio d'Abadia de Sousa

Memórias do Futuro

Fábio d'Abadia de Sousa

A Língua Portuguesa nunca foi tão desrespeitada

No último dia 31 de julho de 2021, foi reinaugurado, em São Paulo, o Museu da Língua Portuguesa, que estava fechado para reformas desde o mês de março de 2015, quando sofreu um grande incêndio. Entre os presentes ao evento da reinauguração, estavam o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, e o presidente de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, além do anfitrião do evento, o governador do Estado de São Paulo, Jorge Dória. Mas o que chamou a atenção mesmo foi a ausência do presidente de República do Brasil, Jair Bolsonaro, que no momento da reinauguração participava de um comício eleitoral (ilegal) ao lado de motociclistas na cidade de Presidente Prudente, a pouco mais de 100 quilômetros de São Paulo, onde fica a sede do museu. Como disse um repórter que cobriu o evento para um canal da televisão portuguesa “Bolsonaro não fez a menor falta”.

Mas o simbolismo da ausência do presidente brasileiro é impossível de não se notar. Quase todos os brasileiros já sabem do desprezo de Bolsonaro, um analfabeto funcional, pela educação e pelas relações internacionais, entre outros assuntos essenciais ao desenvolvimento de uma nação que se quer fazer respeitar no mundo e, principalmente, entre os seus próprios cidadãos. Mas ainda assim é chocante ver um político, mesmo que populista e que diz colocar o “Brasil acima de tudo”, manifestar tanto desdém em relação a uma coisa tão essencial à construção da ideia de uma nação coesa.

No entanto, se analisarmos uma das principais metas do governo Bolsonaro, que é dividir os brasileiros e se possível nos colocar numa guerra civil armada, como ele já apregoou algumas vezes, faz todo o sentido a ausência do presidente a um evento tão importante. Bolsonaro quer tudo, menos coesão entre os brasileiros. Aliás, como suas ações demonstram diariamente, ele governa apenas para a parcela da população que o apoia fanaticamente. Os outros não o interessam. E a língua Portuguesa, principalmente em seu caráter mais marginal e ofensivo, é o principal instrumento que ele usa para expressar o seu grande ódio àqueles que o contrariam e ameaçam a possibilidade de sua reeleição, o único tema ao qual se dedica 24 horas por dia. E tudo, é claro, ocorre com a conivência do Poder Legislativo, principalmente a Câmara dos Deputados (sob a presidência de Arthur Lira), o único órgão que poderia abrir um dos mais de 100 pedidos de impeachment.

Para um grupo de senadores que o investiga por negligência e suspeita de corrupção na condução dos esforços para combater a pandemia de covid-19, Bolsonaro diz apenas que está “cagando” para eles. O presidente da instância maior da justiça eleitoral brasileira, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, que abriu inquérito para investigar os excessivos ataques de Bolsonaro à eleição feita por meio de urnas eletrônica, o presidente diz apenas que se trata de “aquele filho da puta”. Para os jornalistas, o ódio do presidente é maior ainda. Diante de perguntas que o constrange, Bolsonaro, além de mandar, grosseiramente, os profissionais da imprensa calarem a boca, ainda dá respostas com adjetivos humilhantes e ultrajantes: “você tem uma cara de homossexual terrível”; “a minha vontade é de encher a sua boca com uma porrada, seu safado”; “vai para a puta que pariu”.

Os adversários políticos, mesmo em eventos oficiais, como numa reunião ministerial realizada em 22 de abril, cuja gravação tornou-se pública, Bolsonaro vai lá nas profundezas da Língua Portuguesa buscar vocabulário escatológico para nominá-los: “aquele bosta”; “seu merda”.

O linguajar de Bolsonaro confirma o quanto ele é inadequado para ocupar a presidência de qualquer país que se diz civilizado. Se ele não respeita o seu próprio povo, como esperar que ele respeite a Língua Portuguesa? Ainda bem que ele não foi à reinauguração do Museu da Língua Portuguesa. A nossa língua-mãe ficaria ruborizada!

Fábio d'Abadia de Sousa
10.08.2021

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