Daniela Graça

Espelho Cinemático

Daniela Graça

O Pai (2020)

“O Pai” é a primeira longa-metragem realizada por Florian Zeller, dramaturgo e escritor francês. O filme trata-se da adaptação para o grande ecrã da peça de teatro homónima e é protagonizado por Anthony Hopkins, uma das figuras mais celebradas e galardoadas na arte da representação. “O Pai” foi criticamente aclamado desde a sua estreia e tornou Anthony Hopkins a pessoa mais velha, aos 83 anos, a vencer um Óscar na categoria de representação. O filme estreou nas salas portuguesas a 6 de maio.

O filme segue a mente em detioração do idoso Anthony (Anthony Hopkins), que outrora fora um homem com uma personalidade extremamente independente e difícil, mas com um humor cortante e inteligente. A sua filha Anne (Olivia Colman) tenta contratar alguém para cuidar do pai uma vez que ele não está apto para viver sozinho, mas Anthony dificulta ativamente o processo sabotando as iniciativas de Anne ao aterrorizar a ajuda que contratou. Anthony acredita-se capaz de cuidar de si mesmo, não aceita a sua condição e considera que a preocupação da filha não tem fundamento. Mas a sua mente atraiçoa-o e prega-lhe sustos cada vez mais graves até o idoso começar a duvidar daqueles que o rodeiam e da própria realidade.

Outros grandes filmes como “O meu nome é Alice” (2014) ou “Amor” (2012) já abordaram a doença Alzheimer, demência e envelhecimento, mas “O Pai” acresce algo de novo já que a narrativa do filme enfoca o ponto de vista do idoso em vez de seguir a visão externa e objetiva da progressão da condição do Anthony pelas lentes dos familiares. Por outras palavras, temos acesso à decadência mental e emocional de Anthony segundo o relógio interno desregulado do idoso, nós vemos como ele vê. Primeiramente as mudanças são lentas, mas progressivamente perdemo-nos com o idoso no labirinto mental que se complica, sem norte nem sul que o guie. A narrativa torna-se ilógica, caótica e repetitiva, a linha do que é real e irreal desvanece com a mente de Anthony: objetos desaparecem, pessoas mudam de aparência, conversas repetem-se. A noção de espaço-tempo de Anthony desmorona-se sendo que dias transformam-se em meses, lugares transformam-se noutros lugares e pessoas que já morreram há anos voltam à vida na mente estilhaçada do idoso. É uma prisão mental sem fim nem início, demonstrada habilmente pelas escolhas visuais e de cenário do autor, em que tudo tem a mesma estrutura, as mesmas portas e os mesmos corredores, apesar de serem lugares diferentes em tempos diferentes.

“O Pai” é um filme angustiante que mostra sem inibições o interior de uma mente em deterioração no outono da vida e que não nos permite desviar o olhar do terror e confusão do envelhecimento ou da dor daqueles que nada podem fazer para ajudar. É um filme excelente, com argumento e realização exemplares, que conta ainda com um dos melhores desempenhos de Anthony Hopkins. É um filme difícil de se ver porque retrata uma realidade que a grande maioria das pessoas não quer ver por ser dolorosa e incurável, mas é a franqueza face à fragilidade e incapacidade da mente humana que torna “O Pai” um filme tão emocional e, consequentemente, necessário.

Classificação: ★★★★★